ANIVERSÁRIO das perguntas erradas…

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Em 2024 vivi algo diferente em meu aniversário. Este é o dia em que as pessoas, num misto de curiosidade e superficialidade, se sentem à vontade para invadir o que não é delas: a minha vida particular. Entre bolos, mensagens automáticas e balões comprados às pressas, surgem as perguntas que já espero, mas que nunca deixam de me incomodar. Diria, mesmo, que o aniversário das perguntas erradas, nonsense, bizarras parece mais um interrogatório que uma comemoração.

“Quantos anos você faz?”, é a primeira, inevitável. Como se o número em si fosse uma espécie de métrica para validar minha relevância. Mais um número para me etiquetar, encaixar-me em alguma categoria que satisfaça o desejo alheio de classificar vidas, fazer a pessoa valer pelo tempo que viveu.

Gozado que a mim nunca me passou investigar a idade de meus pais (minha mãe fui saber da idade no dia de sua morte pois o que mais me importava era saber se ela estava feliz, todos os dias). O mesmo se dava com meus professores: a idade deles era menos importante que suas competências técnicas e humana; sendo mais ou menos jovens/velhos mudaria alguma coisa entre eles e eu, em nosso contrato pedagógico?

A seguir, vem o interrogatório velado: “Ainda trabalha tanto?”. Como se a dedicação ao que eu faço fosse algo que precisasse de justificativa. “Mas… você não vai se casar? Não tem ninguém?”. Esta pergunta é de uma estupidez fantástica, pois ter alguém é sinônimo de quê? Pelo que presencio e sinto do mundo, ter alguém é algo de uma atenção extrema, que nem vou detalhar aqui, para não azedar meu dia.

E lá vem o julgamento disfarçado de interesse. Porque, para muitos, o valor de uma pessoa parece estar preso a essas convenções. Não importa se sou feliz, se estou em paz ou se me realizo. O que importa é que eu preencha os espaços que eles esperam ver preenchidos: um cônjuge ao lado, um círculo de filhos ao meu redor, um papel que corresponda às expectativas silenciosas da sociedade.

“Por que você trabalha tanto?”, alguém insiste com aquele tom de recriminação disfarçada de preocupação. Para essas pessoas, trabalho é uma moeda de troca e não algo que pode trazer sentido e realização. Trabalhar muito significa, automaticamente, não viver — como se todo trabalho fosse sinônimo de aprisionamento e sacrifício. E então chega a grande pérola: “Você não tem medo da solidão?”.

Medo da solidão. Sempre essa frase carregada de condescendência, como se estar sozinho fosse uma condenação, e não uma escolha. É curioso como as pessoas não conseguem distinguir solitude de abandono, autonomia de carência. Elas têm um medo tão profundo de estar consigo mesmas que projetam essa insegurança em qualquer um que pareça confortável com a própria companhia.

Mas sabe o que é mais curioso? No meu aniversário ninguém perguntou se eu preciso de companhia para um exame médico mais sério, desses que deixam a gente vulnerável e temeroso. Ninguém me liga para perguntar como pago meu Imposto de Renda ou se estou conseguindo equilibrar as contas com tantos impostos e custos que a vida traz. É como se essas questões práticas — e muitas vezes solitárias — fossem invisíveis, porque não rendem conversa, piadas ou conselhos não solicitados.

No meu aniversário fico sempre esperando que me perguntem em que eu creio, que fé professo, a que culto me entrego, porém isso não é relevante nem facilitador de conversa visto o fato de que me conhecem e sabem a velocidade de minha resposta (e de sua acidez) que seria capaz de prensa-los numa encruzilhada com mais cem outras questões que tenho engatilhadas sobre a fé e a religião.

E o mais irônico: ninguém se preocupa com o que farei no meu final de vida. Não há uma única pergunta sobre como imagino meus últimos anos, se planejo uma aposentadoria tranquila, se estou juntando dinheiro ou criando laços que me apoiarão na velhice. Não, essas questões ninguém toca. Mas todos têm palpites sobre o meu “agora”. Todos querem saber por que estou solteiro, por que trabalho tanto, como ouso não me encaixar no script de vida que eles mesmos escreveram para mim.

No meio de tantas perguntas, percebo o abismo entre o que as pessoas querem saber e o que realmente importa. Um aniversário tem o roteiro previsível e o que me incomoda não é só a repetição das mesmas perguntas, mas o vazio que elas carregam. São perguntas que miram no superficial e ignoram o essencial; por exemplo: ninguém pergunta “Você está feliz?”. Essa é a grande lacuna. Afinal, felicidade não é um número, uma aliança ou um cargo. Felicidade não se mede em tabelas sociais. É invisível aos olhos dos outros, mas profundamente palpável para quem a sente. E talvez seja por isso que ninguém pergunta: porque a felicidade do outro não se encaixa em suas expectativas, e ouvi-la demandaria um interesse genuíno que eles simplesmente não têm.

“Você gosta da sua rotina?”. Nunca ouvi essa pergunta num aniversário. Talvez porque a resposta exija reflexão. Ou talvez porque, para muitos, a rotina é algo que aprisiona, e não algo que pode ser desenhado com o prazer de quem escolhe seus próprios caminhos. “Você se sente bem trabalhando no que faz?”. Essa também nunca chega, porque para eles o trabalho é apenas uma obrigação. Ninguém considera que, para mim, pode ser um lugar de realização, onde meu esforço não é apenas um fardo, mas um exercício de propósito.

E a pergunta que mais sinto falta: “Você está contente com a sua vida?”. É a que nunca vem! Porque ela exige mais do que um interesse momentâneo. Ela implica escuta. Implica atenção. Implica, talvez, ter que lidar com uma resposta inesperada.

Por isso, hoje, enquanto as perguntas de sempre ecoam ao meu redor, decido subverter o roteiro. Não vou esperar que os outros façam as perguntas certas, nem vou desperdiçar meu tempo respondendo às erradas. Faço minhas próprias perguntas: Você está feliz? Você sente que sua vida tem sentido? Você está satisfeito com as escolhas que fez até agora?

Sento comigo mesmo e respondo. Descubro que, embora minha vida não seja perfeita, ela é minha. As decisões que tomei, os caminhos que escolhi, as rotinas que construí — tudo isso é meu. Não preciso justificar nem explicar. É triste perceber como tantas pessoas se apegam a convenções, a padrões prontos, e perdem a oportunidade de conhecer o que realmente importa. Preferem questionar quantos anos vivi a perguntar como vivi esses anos. Preferem julgar o estado civil a entender o estado de espírito.

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Quando o dia termina, o aniversário se vai, o bolo acaba, os balões murcham e as pessoas voltam para suas casas e sobra o silêncio. Um silêncio que não me incomoda, mas me acolhe. Porque, no fundo, as perguntas certas só precisam de uma pessoa para serem feitas e respondidas: eu mesmo.

Depois de viver algumas décadas, ainda me espanto com perguntas erradas ou fora de esquadro. A ironia, claro, é que ninguém questiona o óbvio: se estão tão preocupados com a minha vida, por que não começam perguntando se estou feliz? Talvez porque a felicidade, para eles, seja algo secundário. Para mim, no entanto, é a única resposta que realmente importa. E eu, sim, estou felicíssimo, amando a vida e vivendo-a com vigor e sabedoria, cada vez mais.(Foto: Polina Tankilevitch/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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