Quando o relógio marca 23h59 do dia 31 de dezembro, todos aguardam ansiosos o primeiro minuto do ano novo. As taças de espumante ficam alinhadas, os fogos ficam preparados para iluminar o céu e, em algum canto, alguém começa a mentalizar sua lista de resoluções. É um ritual que se repete, quase como uma coreografia ensaiada. As pessoas acreditam, ou talvez desejem acreditar, que ao soar a meia-noite, algo mágico acontece: o velho ano se dissolve, levando consigo as mágoas, os erros e os fracassos.
Resta apenas a esperança de um recomeço brilhante, embalado pelo som dos fogos. Mas será mesmo assim? Será que é o ano novo que nos transforma, ou somos nós que carregamos o peso das mesmas escolhas e dos mesmos hábitos, mesmo em um calendário novo? Essa é uma reflexão que poucos ousam fazer no calor do momento, mas que se torna inevitável quando a empolgação da festa dá lugar ao cotidiano.
Ano após ano, repetimos os rituais com devoção quase religiosa. Usamos branco para pedir paz, dourado para atrair riqueza e vermelho para, quem sabe, esbarrar em um grande amor. Fazemos simpatias, pulamos sete ondas, comemos lentilha na esperança de um ano mais próspero. E, durante um breve instante, acreditamos que esses gestos simbólicos têm o poder de mudar o rumo da nossa vida.
No entanto, assim que os primeiros dias de janeiro passam, a rotina volta a nos engolir. A lista de resoluções, escrita com tanto entusiasmo, é esquecida na gaveta ou nas notas do celular. Os desafios diários continuam os mesmos, e aquela energia renovadora parece dissipar-se tão rápido quanto os fogos no céu.
Será que estamos colocando responsabilidade demais no calendário e de menos em nós mesmos? É fácil culpar o tempo quando as coisas não vão bem: “Esse ano foi difícil”, “Ano que vem será melhor”. Mas será que o ano é realmente o culpado, ou somos nós que não mudamos o suficiente para que as coisas sejam diferentes?
Mudanças verdadeiras não acontecem de forma mágica. Elas são fruto de escolhas diárias, muitas vezes pequenas, mas consistentes. Quem decide mudar de vida não espera um dia específico para começar. É alguém que entende que cada manhã traz a possibilidade de um recomeço. Lembro-me de um amigo que, no meio de agosto, resolveu adotar hábitos mais saudáveis.
Ele começou a caminhar todas as manhãs e a preparar refeições mais equilibradas. Curioso, perguntei: “Por que não esperar janeiro? Assim começa tudo certinho, no começo do ano”. Ele sorriu e respondeu: “Porque minha vida não pode esperar o calendário para ser vivida.”
Essa resposta me fez refletir profundamente. Quantas vezes adiamos nossos planos, esperando o “momento certo”? A verdade é que esse momento raramente chega. Há sempre uma desculpa, uma dificuldade, algo que nos faz postergar. Mas quem realmente deseja mudar não espera. Ele age.
O ano novo, no fundo, é uma metáfora. Ele representa uma folha em branco, um recomeço simbólico. Mas, como em qualquer metáfora, o significado real está na interpretação que damos a ela. Não é o calendário que define nossa trajetória, mas sim nossas ações, escolhas e atitudes.
Nietzsche dizia que “é necessário ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante”. Talvez a grande lição do ano novo seja essa: aprender a transformar o caos em algo produtivo. Aceitar os desafios como parte do processo e usar cada dia, não apenas o primeiro de janeiro, como uma oportunidade de recomeço.
Pense na força de quem decide mudar não porque é um novo ano, mas porque sente que é o momento. Pode ser uma segunda-feira qualquer, uma manhã fria de inverno ou uma tarde ensolarada de outono. O importante não é a data, mas o impulso interno, a coragem de dar o primeiro passo.
Quantas histórias inspiradoras nascem de decisões tomadas em momentos aparentemente comuns? A mulher que decide voltar a estudar aos 40 anos. O homem que começa a aprender um novo idioma aos 60. O jovem que abandona um emprego confortável para seguir um sonho. Essas pessoas não esperaram a virada do ano; elas simplesmente decidiram que não podiam mais esperar.
O tempo, por mais simbólico que seja, é apenas o cenário. Nós somos os protagonistas. O roteiro, cheio de reviravoltas, altos e baixos, está em nossas mãos. Podemos escolher o que faremos com ele. É claro que o ano novo tem sua magia. Ele nos inspira, nos dá a sensação de um novo começo. Mas essa magia só se sustenta se a transformarmos em ação. Caso contrário, será apenas um dia a mais no calendário, sem impacto real em nossas vidas.
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No final deste ano, quando o relógio marcar meia-noite, comemore. Brinde. Faça suas promessas. Mas lembre-se: a verdadeira mudança não vem do calendário. Ela vem de dentro de você. O ano novo, por si só, não tem o poder de transformar sua vida. Quem faz isso é você, com suas escolhas, sua coragem e sua determinação. Afinal, qualquer dia pode ser um recomeço. Basta que você decida. Seja em 1º de janeiro, 15 de julho ou 30 de outubro. A mágica não está na data. Está em quem você escolhe ser.(Foto: Marta Nogueira/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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