Diz que viveu no bairro do Alambrado, lá nas bandas do Rio Seco, o carteiro Joaquim.
O povoado miscigenadíssimo, em meados dos anos 60, teve a sorte de contar com a camaradagem, gentileza e astúcia do carteiro Joaquim.
A maioria das mulheres, donas de casa pouco letradas, esperavam ansiosamente por notícias de familiares longínquos e quando ele passava, dia sim, dia não, era um acontecimento.
Aglomerava-se a vizinhança na venda de seu Libório, onde o carteiro Joaquim separava as cartas e assim, sem nenhuma privacidade, ele as lia em voz alta, enfatizando cada parágrafo, fazendo certo suspense, como um locutor de rádio lendo crônicas; chegava a embargar a voz e dar longas pausas, faltando só mesmo um fundo musical.
A sonoplastia era por conta dos ouvintes, com suspiros e risos de acordo com as notícias.
Desta forma, não havia segredos entre os vizinhos.
Quando as notícias eram ruins, Joaquim costumava preparar o ouvinte com palavras de conforto.
Quando eram boas, ele dirigia-se ao ouvinte todo alegre e vibrava junto a cada frase lida.
Quando ele chegava, sua expressão já denotava a conteúdo das cartas. Parecia mesmo que ele as lia antes… parecia… ou seu instinto e sexto sentido eram muito fortes… E mesmo que o fizesse, não se via mal, tamanha era a bondade do carteiro Joaquim.
Telegrama não exigia suspense, pois sempre trazia notícia de morte e nessas ocasiões ele chegava esbaforido, cuidadoso e ainda mais solícito. Pedia logo um copo d’água, para ele e para o ouvinte, antes de abrir a correspondência.
Mesmo aqueles que não recebiam cartas, tinham o hábito de esperará-lo na venda, ansiosos por novidades de quem quer que fosse.
Em suas férias, Joaquim era substituído pelo carteiro Antero, e este, conhecedor da fama de Joaquim, tentava imitá-lo, sem nem de longe alcançar a intimidade de colega com a vizinhança do Alambrado. Intimidade esta, chegou a aproximá-lo dos familiares do povoado, a ponto de, certa ocasião, penalizado com notícias de desilusão amorosa da irmã de uma de suas ouvintes, passou ele mesmo a escrever-lhe cartas consolando-a.
E por obra do destino ou mesmo por insistência do carteiro Joaquim, ele viajou para a cidade do interior onde residia a desiludida e lá teve início um romance que mudou a vida de ambos.
OUTROS TEXTOS DE ROSITA VERAS
A RODOVIÁRIA, A CHUVA E O BARALHO
Joaquim casou-se com a moça, passou a viver no interior onde, de carteiro, virou radialista.
A vizinhança do Alambrado teve a sorte de conseguir sintonizar a estação da rádio onde então, Joaquim lia diariamente, lindas crônicas, em sua maioria, escritas por ele mesmo, frutos de sua imaginação e da experiência que obteve como carteiro/leitor.
Deixou saudade no Alambrado. Nunca mais o distrito de Rio Seco teve um carteiro como Joaquim, fiel depositário de tantas notícias daquele simples povoado.(Foto meramente ilustrativa/Divulgação Correios)
ROSITA VERAS
É escritora, ghostwriter e articulista
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