O destino era São Paulo. Vindo adiantada lá de Conceição da Barra, no único ônibus do dia para a capital, só restava esperar mais quatro horas… Chuva intensa em Vitória, no Espírito Santo, rodoviária quase alagada, e por isso, já haviam avisado, a partida atrasaria.
Já havia engolido na força do inconformismo, uma média e um pingado pelo absurdo de 17 surreais… numa dessas casasdopaodequeijobanhadoaouro, e já cansada de observar e analisar cada ida e vinda, cada bagagem, cada choro de despedida, cada sorriso de chegada…puxei o surrado e fiel baralho, procurando uma superfície ampla e lisa, para espalhar uma paciência. Sim, tenho o jogo no celular, mas o tatear nas cartas faz com que me sinta acompanhada, sei lá. Ah…tudo começou aos sete anos, na mesa lá de casa, aprendendo 21 e burro com minha avó, analfabeta, mas astuta no carteado, ainda mais quando se jogava a dinheiro…
Voltando para a rodoviária…
O moço ao lado sugere uma biriba… então no imaginário feltro verde, no caso a mala deitada, escorada em nossos joelhos, uma rapidinha (de cartas…) valendo cinco mangos.
-É biriba, né?
Veio num sotaque mineiro, a voz já espreitando nos arredores um parceiro para se juntar a nós.
-É!
-Mas só presta se for a dinheiro…
-Opa…e num é?!
Em segundos, três duplas miscigenadíssimas trocavam olhares astutos, ambicionando os cinquentão da mesa improvisada no nosso cassino capixaba.
E dá-lhe jogo!
-Peraí…deixa eu ver se meu busão encostou…
Nesse momento os outros cinco lembraram de seus embarques…
Uma voz ecoou: “última chamada para São Paulo”…
-Poxa…
–Marrminino…tamotudonomerrrmo embarque…boracontinuanoonibus…
Sugeriu o cearense que já sonhava seu retorno para Ingazeiras, com o dinheiro da aposta. Malandro bom de jogo.
E fomos…
-Ei…se vão continuar, bote 10 reais aí no rapaz de azul…já vi que é bom…
O apostador da vez era o motorista…
Risos…
OUTROS TEXTOS DE ROSITA VERAS
VIDA LONGA AO REI, ROBERTO CARLOS
-Ahhh você tava de olho, né?!
-Oxe…e num foi por isso que quase atraso a saída…
-Ohhh…pensei que havia sido a chuva…
-Rapazzzzz, que chuva? Já faz duas horas que num chove…
Lá em Campo de Goytacazes, quando a última dupla se desfez, foi que eu vi a chuva de novo…daí só me restou a paciência…
(Das minhas andanças por aí/Foto: Jalil Shams/Pexels)

ROSITA VERAS
É escritora, ghostwriter e articulista.
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