Na coluna anterior, destaquei a nova lei federal que restringe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis, incluindo celular e tablet, nos estabelecimentos públicos e privados de ensino da educação básica. Quero seguir com essa discussão, mas agora pensando não apenas em crianças e adolescentes, mas incluindo pessoas adultas e idosas. Em recente entrevista, a escritora, filósofa e professora da USP, Marilena Chauí, afirmou que o celular é a nossa servidão contemporânea. Segundo ela, o celular subverteu a nossa relação tempo-espaço de tal modo e com tal profundidade, que se tornou nosso soberano.
Trata-se de um mundo sem um tempo e sem um espaço. Em primeiro lugar, o celular “anula” a relação experimentada com o espaço físico, que se tornou a tela, delimitando nosso ambiente a poucas polegadas. No lugar de movimentar os membros inferiores e superiores, como sempre fizemos para explorar os ambientes, agora o ambiente vem até nós, mexendo apenas a ponta dos dedos polegar e indicador. A professora argumenta que há um estreitamento da experiência sensorial do corpo, como participante da construção de percepções e sentimentos.
Com a nossa servidão ao celular, não apenas o espaço é empobrecido, mas também o tempo. Não há passado ou futuro, pois o tempo do celular é o “agora”. Ora, em uma vivência sem relação de temporalidade, perde-se a experiência plena do tempo. Não há uma cronologia do antes, do depois, pois tudo acontece agora. Com isso, as narrativas, as biografias, são apagadas, fenômeno já apontado em “A crise da narração”, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. É como se saíssemos de um mundo em três dimensões, para nos contentarmos com uma perspectiva bidimensional, plana, rasa, superficial e aprisionante, com tudo ocorrendo em velocidade acelerada.
Mas por que será que fomos capturados pela servidão ao celular? O que nos move nessa direção? Resposta: o vício, a adicção. Explico melhor. A adicção é uma doença crônica que se caracteriza por uma dependência psicológica ou física, ou por uma compulsão por substâncias ou comportamentos. Os mecanismos neurológicos que nos aprisionam no vício em cocaína e crack, por exemplo, são os mesmos utilizados pelas Bigtechs, para nos viciar nas redes sociais e nas séries do streaming. Parte do conhecimento sobre a neurofisiologia humana foi tragicamente capturada, passando a ser usada contra nosso próprio bem-estar e saúde mental.
No atual capitalismo de plataformas digitais, o que as corporações estão disputando é justamente a nossa relação tempo-espaço. As empresas lucram mais se conseguirem manter pessoas conectadas às telas, pelo maior tempo possível. Ganham com a nossa servidão voluntária. Para atingir este objetivo, invadem nosso sistema límbico, responsável pelas respostas de recompensa e prazer. Despejam em nosso organismo a chamada “dopamina barata”, termo cunhado para descrever o consumo excessivo de estímulos que proporcionam prazer imediato, mas sem esforço ou valor duradouro. Mas no lugar de descanso, relaxamento, obtêm-se ansiedade e estresse.
OUTROS ARTIGOS DE MARCELO LIMÃO
SEM CELULAR NAS ESCOLAS, ESTUDANTES PODEM VOLTAR A BRINCAR
ANSIEDADE E DEPRESSÃO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
A dopamina é um neurotransmissor que atua no cérebro e no corpo, regulando principalmente o prazer e o bem-estar. Como a sensação de prazer ao ver um conteúdo nas redes sociais é muito instantânea e fugaz, nossa reação é pular para o próximo conteúdo, e o próximo, depois o próximo, compulsivamente. Quem nunca ficou surpreendido ao ficar horas em uma rede social, sem ter percebido o tempo passar? Ou por ter virado a noite em claro, maratonando uma série? Como apontei, o mecanismo neurológico é o mesmo do vício.
Inclusive, lidamos atualmente com um novo transtorno psicológico: a nomofobia. Significa o medo, inconsciente, de ficar sem o celular ou não conseguir usá-lo. Entre os principais sintomas estão a ansiedade, irritabilidade, palpitações, suor excessivo, tremores, prejuízos no sono e no trabalho e, no limite, até ataques de pânico quando não tem acesso ao aparelho. Se você se identificou com alguns desses sintomas, não deixe de procurar ajuda especializada em saúde mental.(Foto: Ron Lach/Pexels)

MARCELO LIMÃO
Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP. Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042
VEJA TAMBÉM
PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA
ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES