É possível fazer diferente. Mesmo quando todas as evidências apontam uma direção, podemos fazer nossas escolhas e buscar outros caminhos, atalhos, veredas e esboçar novos planos. É nisso que estou apostando para esse novo tempo. Porém, convenhamos: difícil mesmo é ver cenas bizarras da maior democracia do Mundo, vindo contra toda a corrente, num sinal de horror e ódio comandado por um ditador que não enxerga limites nem consegue perceber que o jogo acabou. Tal como uma criança que teve seu brinquedo quebrado, Trump orquestra o lance mais feio do século, com uma invasão ao Capitólio, digna de filme de terrorismo.
Pensar que muitos brazucas assistem com fervor e apoiam estas iniciativas, aprendendo para colocar em prática, algum dia, em terras tupiniquins. Oportunidades não faltam, em especial porque alguns se sentem numa extensão dos EUA. Entretanto, para nossa sorte, as coisas aqui são mais pacíficas. Somos passionais e usamos pouco de nossas capacidades de entendimento, acompanhando alguns líderes políticos.
A bola da vez é a vacinação, em especial porque a população precisa entender a realidade sobre vacinas, sejam ela quais forem, da gripe, do tétano, da pólio, da meningite e da Covid. Ler e se instruir faz com que tenhamos mais conhecimento e falemos menos porcaria; num país onde a informação é mínima e as redes sociais atendem aos apelos mais remotos e mais urgentes de uma população carente de saber, de direção e de liderança. Sobre a vacina, nossos políticos estão fazendo um desserviço no sentido de propagar a campanha: lutam para que eles estejam nos holofotes e o real problema fica nas nuvens. Muito trevoso tudo isso.
E, diante de tanta treva social, ainda temos outras trevas culturais que nos colocam em evidência, no Mundo. Novamente, sem ser a última vez, nosso Justin Bieber do futebol nos preparou mais uma: uma festa de arromba, em ilha brasileira, com ilustres e demais mortais, como se nada estivesse rolando no país. Mais uma das muitas cenas bizarras deste país. Nada, desde a miséria que assola o país até a crise na saúde. Como dizem os estudiosos em comportamento humano, estamos diante de um Peter Pan, que jamais será adulto, independente do seu futebol.
Barton, um britânico que escreve a biografia deste jovem, comenta: “Eu acho que ele é a Kim Kardashian do futebol. Neymar, mais do que um fenômeno do futebol, é um fenômeno publicitário, como as Kardashians”. Isso não é elogio, vale ressaltar, em especial porque o atacante não foi indicado à finalista do The Best, também em dezembro, e resolveu ironizar o prêmio de melhor jogador do mundo que é entregue anualmente pela Fifa. Mas muitos dos brazucas ainda se espelham nele, como acontece com outros famosos. Vivemos da história dos famosos. Talvez a juventude não encontre bons exemplos a seguir. Talvez a humanidade esteja carente de bons exemplos. Talvez as famílias estejam com dificuldade de apontar caminhos. Talvez, talvez, talvez.
No outro lado da rua temos que algumas universidades brasileiras, com muita seriedade, implementam seus calendários para as aulas voltarem on-line, visto que a juventude é muito resistente às regras e não atende ao isolamento social, comprometendo, assim, a saúde de seus professores e funcionários. Que mundo é esse? Que juventude é essa? Será pedir muito, pedir que as baladas, as saidinhas e as praias fiquem para outro momento? A Índia começa a vacinação por este grupo de rebeldes, para minimizar as mortes e colocar a economia a funcionar, já que eles não se regram. Será uma saída ou será o momento de ensinar regras, direitos e deveres, respeito e empatia? Não sei. Não sei.
Ainda, num outro lado da rua, as vacinas avançam pelo mundo. Muitos países já estão com seus planos em ação e a imunização se concretiza. Aqui corremos atrás da compra de seringas e agulhas, ainda que alguns Estados e municípios estejam bem aparelhados, apenas aguardando as diretrizes da Anvisa. Se não fosse a briga ideológica-política, poderíamos estar num outro patamar, com evolução nas discussões e com planos muito mais claros e assertivos; em alguns momentos parece que estamos vivendo uma ficção. Porém, para muitos alguns, tudo isso é tolice e o isolamento é besteira, o que provoca mais cenas bizarras.
Ouço muito que isso é insuportável. Que estar distante leva à depressão. Que não consegue ficar sem academia. Que não vive sem um barzinho. Que se reúne só com cinco ou seis (que se reúnem com outros cinco ou seis). Que nada faz sentido sem estar com o grupo. Que pobreza de caráter. Que rigidez de comportamento. Que ingenuidade. Em nenhum momento se questiona a força da Vida e nem se salienta questões estritamente temporais, que salvam nossa vida, sem ser uma conversa enfadonha nem maniqueísta. Algo real, necessário e justo. Estes momentos, que sejam de 365 dias ou de 730 dias, representam um plano individual de salvação, queiramos ou não. Entretanto, relaxamos para manter uma situação de equilíbrio que nos desequilibra, porém, cada cabeça uma sentença. Que nos reencontremos, em algum canto e em algum tempo, se isto for possível.
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Vemos que, não é o fato de enfrentarmos o novo, que nos desmobiliza. Aquilo que nos desorienta e desmobiliza é nossa falsa empatia, nosso falso moralismo e nosso cristianismo voltado àquilo que nos faz bem. Acredito que ainda temos muito a aprender com todas as cenas bizarras que estamos acompanhando, uma vez que este primeiro trecho de isolamento ainda não nos ensinou muito (ou nada). Mas como falar isso ou como fazer isso sem ferir os ânimos alheios? Tudo que se fala é assédio, é humilhação e é ataque. Só não é ataque a irresponsabilidade e a falta de consciência dos desavisados que insistem em colocar seus próximos mais próximos em risco. Como se chama isso, mesmo?(Foto: reprodução de cena de videoclipe de Till Lindemann)
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Aluno da FATI.
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