Para DANILO, Brasil não deve tentar ser parecido com EUA

Danilo Rocha Gambini, 32 anos, nasceu em Perus. Mas aos 11 anos veio para Jundiaí. E aos 18 anos foi para São Paulo. Na capital, estudou na Escola de Arte Dramática USP. Treze anos se passaram e ele trabalhou como diretor de ópera e teatro em São Paulo, Belém(Pará) e Manaus(Amazonas). Depois arrumou as malas e foi para os Estados Unidos, onde faz mestrado em Direção Teatral na Yale University, reconhecida como uma das melhores do mundo. Ao contrário de muitos, Danilo não concorda com a ideia de que o Brasil deva se espelhar nos norte-americanos e tentar construir um país parecido com o deles. “Esta sensação de que o que vem de fora do Brasil é melhor ou almejado é parte da nossa cultura colonizada”, afirma.

Conte um pouco da sua passagem por Jundiaí. Onde morou e estudou aqui?

Nasci no bairro de Perus, cidade de São Paulo. Mudei para Jundiaí alguns dias antes de completar 11 anos de idade e morei até o final do colegial, quando fiz 18 anos. Morei um ano ao lado do Shopping Paineiras. Depois minha família toda se mudou para o Jardim Paulista, na casa onde meus pais moram até hoje. Meu ensino médio fiz na Escola Divina Providência e colegial no Colégio Leonardo da Vinci. Aos 18 anos entrei no Curso Superior do Audiovisual na USP e mudei para São Paulo.

Trabalhou por aqui? 

Não cheguei a trabalhar em Jundiaí. Minha carreira profissional se iniciou em São Paulo.

Ainda tem família na cidade? Quantas vezes vem visitá-los no ano?

Sim. Meus pais, alguns tios e a família do meu irmão moram em Jundiaí. Visito uma ou duas vezes por ano.

É casado? Tem filhos?

Não sou casado, mas meu namorado ainda mora no Brasil e estamos planejando a mudança dele para cá em 2020.

Qual seu endereço na América?

Moro na cidade de New Haven, estado de Connecticut, desde agosto de 2017. Minha mudança tem a ver como o mestrado em Direção Teatral que faço na Yale University.

O que mais sente falta daqui?

As saudades de Jundiaí que tenho são atreladas a um sentimento de nostalgia também. Eu sinto saudades da época em que ia na Blockbuster da avenida Nove de Julho pegar 4, 5 filmes para assistir no fim de semana com a minha família ou amigos; quando comecei a sair à noite no Tequila ou Filet no Beco Fino Boulevard; dos bailes do Havaí, Carnaval e Festa à Fantasia no Clube Jundiaiense. Também sinto falta da minha turma do colégio no Leonardo. Era um grupo enorme de amigos que fazíamos festa todo final de semana, cada vez na casa de um de nós, e foi uma época muito especial para todos. Ainda mantenho amizade com alguns amigos da época. Três deles moram aqui nos Estados Unidos também. Uma delas acabou de descobrir que está grávida e estou planejando visitá-la. O outro adotou um cachorrinho e quero tentar ir também. Mas todos nós moramos em cidades diferentes aqui.

E o que menos sente falta de Jundiaí?

Já faz um bom tempo que não moro na cidade, então as coisas podem ter mudado, mas eu não sinto nenhuma falta do espírito conservador, reacionário e preconceituoso em que eu vivia incluído, que estabeleceu um ambiente em que eu nunca senti que poderia ser eu mesmo e perseguir meus objetivos.

Para onde foi quando deixou Jundiaí?

Eu morei 13 anos em São Paulo antes de vir para cá(EUA). Fiz o Curso Superior de Audiovisual, depois me formei como ator na Escola de Arte Dramática também na USP e segui carreira como diretor de Ópera por alguns anos, em São Paulo e ocasionalmente Belém do Pará e Manaus.

O que mais o impactou ou impacta ainda hoje? A língua? O clima? O temperamento das pessoas?

A língua impõe barreiras inesperadas, mas com o tempo tudo vai ficando mais simples, e espero que fique cada vez mais. Num ambiente como a Yale University você precisa articular ideias de forma precisa e contundente para conseguir engajar as pessoas, então no princípio foi bastante desafiador. É difícil acostumar com o inverno, mas o ano ter as quatro estações bem demarcadas é uma experiência muito interessante. Tudo muda a cada estação: o ânimo das pessoas, as cores da cidade, o clima, as comidas, tudo – é na verdade muito gostoso. Um desafio de adaptação foi a compreensão do que significa ser latino aqui. Na verdade o termo usado em inglês latinx, já que também é incorreto atribuir gênero masculino à palavra, sendo que se refere à todos os gêneros. A língua inglesa não usa gêneros nos substantivos e isso influencia a compreensão de mundo. Foi um longo processo para eu entender a minha latinidade, e o que isso significa para mim. O que em mim é ser latino, o que é ser brasileiro, e o que é minha individualidade. Estar inserido em outra cultura propõe um contraste contra o qual é possível fazer essa análise. Provavelmente é um processo de compreensão para a vida toda e não tenho respostas simples.

Em algum momento pensou que não conseguiria se adaptar? Chegou a arrumar as malas e pensar em voltar?

Alguns momentos de dificuldade existiram, mas não pensei em voltar. Vim aqui com um propósito profissional muito sério.

As pessoas respeitam os brasileiros ou não nos levam a sério?

Encontramos pessoas preconceituosas em todos os lugares. O tipo de pessoa que tem preconceito contra brasileiro é o mesmo tipo de pessoa no Brasil que tem preconceito contra, por exemplo, alguém da Colômbia ou uma pessoa de etnia diferente da dela. Respeito também precisa ser conquistado, e muitas vezes imposto. O conflito que enfrento seriamente é entender como tive minha mente colonizada pelos Estados Unidos, e isso é muito triste. Tive uma séria compreensão que a vida toda eu imaginei que nos Estados Unidos tudo era melhor – a vida, as pessoas, o mercado de trabalho – e isso não é verdade. Tem muita coisa melhor, muita coisa pior, e muita coisa que é apenas diferente. Identifiquei uma cultura que eu estava inserido que acredita no escapismo do Brasil: nos EUA tudo é melhor e tudo funciona, ou na Europa, ou no Japão, ou em qualquer lugar que seja. E entender na pele que isso é uma cultura colonizada e de auto-inferioridade me machucou bastante. Agora eu lido com este sentimento e estou fortalecendo as opiniões de todas as coisas que gosto da cultura brasileira, e de todas as coisas que não gosto.

Em algum momento sentiu vergonha de ser brasileiro?

Vergonha de ser colonizado e de achar que nos Estados Unidos tudo é melhor. Vergonha de ouvir brasileiros usando Donald Trump como exemplo sem ter qualquer compreensão do que ele significa para os direitos humanos e do quão desesperada e desesperançosa grande parte da população dos EUA está em relação à política atual. Vergonha de ver brasileiros apoiando uma maior liberação do uso de armas de fogo usando os Estados Unidos como exemplo, sem saber o terror que prevalece em lugares públicos aqui em relação a mass shootings(tiroteios em massa). Uma anedota: aqui na Yale eu tenho treinamentos mensais sobre como agir e reagir no caso de um active shooter, ou seja, no caso de alguém entrar no teatro atirando em todo mundo. Todos os meses temos treinamentos. É aterrorizante. Uma pesquisa rápida no Google me diz que tiveram mais de 300 mass shootings só em 2018.

Faz comparações entre Jundiaí e seu atual endereço?

New Haven é uma cidade 100 quilômetros de Manhattan, então o sentimento de ser uma cidade próxima a uma grande metrópole é similar. Mas New Haven é muito menor que Jundiaí e minha vida é muito em torno da Universidade. Raramente digo que sou de Jundiaí. Vivi 20 anos da minha vida em São Paulo e oito em Jundiaí. São Paulo é uma cidade que as pessoas conhecem melhor e na qual eu vivi toda a minha vida adulta e profissional. Jundiaí está mais conectada à minha adolescência.

O que mais gosta e o que menos gosta deste local? Por quê?

A Yale University tem recursos inimagináveis. Acesso a coisas que eu jamais poderia imaginar. Na minha área, por exemplo, tem uma Sociedade de Literatura Elizabetana (período em que Shakespeare viveu), e eles têm uma cópia da primeira publicação de Romeu e Julieta, datada de em torno de 1600, com anotações de provavelmente um dos músicos da banda. A Universidade sempre traz artistas consagrados para dar aulas, como Peter Brook (um dos diretores de teatro mais famosos da atualidade) e Tony Kushner (escritor de Angels in America). Cruzei com a Meryl Streep algumas vezes por aqui também. A filha mais nova dela está se formando no meu curso também, e a Meryl se formou neste mesmo curso na década de 70. A biblioteca também tem cópias em exposição da primeira bíblia impressa, a Bíblia de Guttenberg. Enfim, esse acesso é o que mais me impressiona e empolga. O que menos gosto é a diferença social que existe aqui. A Yale é uma instituição riquíssima e muita gente da cidade tem acesso à esse dinheiro e recursos. Outra grande parte da cidade vive como satélite da Universidade – oferecendo serviços ou nem isso. A diferença econômica e social é gritante e muito triste. É muito visível o classismo em que estamos inseridos.

Acha que nós, brasileiros, conseguiremos um dia chegar ao nível dos Estados Unidos?

Não chegaremos e nem devemos tentar chegar. Essa sensação de que o que vem de fora do Brasil é melhor ou almejado é parte da nossa cultura colonizada. A estrutura capitalista em que o mundo opera exige que exista a pobreza, exploração e classes para operar. O Brasil num panorama geral está inserido no espectro pobre, mas todo esse espectro existe – obviamente – dentro do próprio país. E existe da mesma forma aqui nos Estados Unidos, apesar de o país como um todo estar no espectro mais rico. O que deveríamos nos preocupar é com igualdade social e distribuição de renda. Não só com o Brasil subir às custas de outros países e culturas também, mas que algum dia podemos todos ter acesso comum a saúde, educação e – se puder existir esse mundo – amor e felicidade.

Já encontrou jundiaienses?

Tem muitos brasileiros por aqui. Não conheci nenhum jundiaiense ainda. Mês passado eu dirigi uma peça do Newton Moreno chamada Agreste, traduzida para o inglês. Muitos amigos brasileiros vieram.

Como é a sua rotina?

Eu tenho aulas das 9 da manhã às 14 horas de segunda à sábado; ensaios de peças das 14h30 às 23 horas e período reservado das 23 a uma da madrugada para atividades extracurriculares. A carga horária é bastante puxada. Desde que cheguei aqui há um ano e meio eu já dirigi seis peças, atuei em duas, fui assistente de direção em uma grande produção e escrevi uma adaptação de Macunaíma.

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Pretende voltar? 

Não pretendo voltar tão cedo. Ainda mais com a perspectiva política que vemos à frente, os recursos a cultura estão seriamente ameaçados. Arte vai ser de resiliência e resistência. Eu estou agora focado em ter a melhor formação profissional possível para depois me articular e entender qual vai ser a melhor posição que eu vou conseguir encontrar para unir minhas forças à luta.

O que Jundiaí poderia ‘importar’ do seu atual endereço?

Maior auto-estima como cultura.