A fé e a religiosidade têm sido elementos centrais na experiência humana desde os primórdios da civilização. Elas oferecem um sentido de propósito e entendimento frente ao desconhecido, além de fornecerem conforto em momentos de incerteza. No entanto, em uma época marcada pelo avanço tecnológico, pela racionalidade científica e pelo individualismo crescente, o conceito de entregar-se a propostas abstratas como a fé e a religiosidade torna-se um desafio para muitos.
O mundo moderno questiona com frequência a validade dessas crenças diante de crises existenciais, dilemas éticos e situações de sofrimento. Neste texto, serão discutidos os desafios de se entregar à fé e à religiosidade em tempos difíceis e como essas crenças, apesar de abstratas, continuam sendo uma fonte de consolo e de sentido para muitos.
Vivemos em um mundo profundamente racionalista, onde a ciência e a lógica imperam como principais formas de interpretar a realidade. Essa tendência tem seus méritos, pois trouxe grandes avanços em áreas como a medicina, a tecnologia e a educação. No entanto, ela também promove uma certa descrença em aspectos abstratos da experiência humana, como a fé e a religiosidade. O ato de acreditar em algo que não pode ser comprovado cientificamente — como a existência de um poder divino ou de uma vida após a morte — torna-se cada vez mais difícil para muitos, um verdadeiro desafio, especialmente diante de uma cultura que valoriza o pragmatismo e a materialidade.
Para aqueles que se veem em meio a momentos de crise, como doenças graves, perdas significativas ou dificuldades financeiras, o apelo à fé pode parecer uma proposta frágil. A abstração das respostas religiosas, que não oferecem garantias tangíveis e imediatas, é um dos fatores que dificultam a entrega a essas crenças em tempos de sofrimento. Em um mundo onde a lógica impera, a fé pode parecer uma aposta arriscada e até mesmo irracional.
Essa dificuldade é ainda mais acentuada pela complexidade das próprias doutrinas religiosas, que muitas vezes envolvem mistérios, paradoxos e ensinamentos que fogem à lógica tradicional. O sofrimento humano, por exemplo, é um dos grandes questionamentos que desafia a fé. Perguntas como “Por que o mal existe?” ou “Por que sofremos?” são frequentes, e as respostas religiosas nem sempre trazem conforto imediato, mas sim convites à reflexão e ao entendimento de que certos mistérios da vida podem estar além da nossa compreensão.
A fé e a religiosidade continuam sendo fontes poderosas de consolo e esperança para muitas pessoas, especialmente em momentos de crise, apesar de todo desafio. Uma das razões para isso é que a fé oferece uma perspectiva de que o sofrimento pode ter um propósito maior ou que ele pode ser temporário, como parte de um plano divino mais amplo. Essa crença, embora abstrata, dá às pessoas um senso de propósito e uma razão para continuar enfrentando as adversidades da vida.
A religiosidade, por sua vez, frequentemente fornece uma comunidade de apoio. Ao se envolver em práticas religiosas, como orações, cultos e rituais, os indivíduos encontram não apenas um canal de conexão com o divino, mas também uma rede de suporte social.
Essas comunidades servem como espaços onde o sofrimento pode ser partilhado e onde o apoio emocional e prático é oferecido. A conexão com outros que compartilham da mesma fé pode ser um bálsamo poderoso em tempos de dificuldade, oferecendo a sensação de que o indivíduo não está sozinho em sua jornada.
Além disso, muitas tradições religiosas promovem a ideia de resiliência. O conceito de que a fé pode fortalecer o espírito humano diante das adversidades é central em muitas religiões. O sofrimento, nesse contexto, é visto não como uma punição ou um abandono divino, mas como uma oportunidade de crescimento e amadurecimento espiritual.
A fé, assim, transforma a visão sobre o sofrimento, oferecendo uma perspectiva que pode ajudar os indivíduos a lidar melhor com suas dificuldades. Embora a fé e a religiosidade possam ser vistas como abstratas, elas desempenham um papel concreto na vida de muitas pessoas. A proposta de acreditar no invisível, no transcendente ou no eterno é, para alguns, uma necessidade humana fundamental.
A espiritualidade preenche uma lacuna existencial que a racionalidade científica não é capaz de preencher completamente: a busca por sentido. As grandes questões da vida — como “Quem somos?”, “Por que estamos aqui?” e “O que vem depois da morte?” — muitas vezes encontram respostas mais satisfatórias no campo da fé do que no empirismo científico.
Esse senso de transcendência oferece à vida uma dimensão que vai além do imediatismo. Em tempos difíceis, essa dimensão transcendente pode ser o que mantém a esperança viva. Quando todas as circunstâncias concretas parecem desfavoráveis, quando o desafio parece intransponível, a fé pode ser o último recurso de força, uma forma de ver além do sofrimento presente e acreditar em um futuro melhor, seja ele nesta vida ou em uma existência pós-morte.
Além disso, a fé e a religiosidade frequentemente estão ligadas a valores éticos profundos. Elas orientam comportamentos, promovem a compaixão, o perdão e a caridade, valores que contribuem para a formação de sociedades mais justas e solidárias. Nesse sentido, apesar de parecerem abstratas, essas propostas impactam diretamente a maneira como as pessoas vivem e se relacionam com o mundo à sua volta.
A entrega à fé e à religiosidade em tempos de dificuldade, embora um desafio, continua sendo uma prática significativa para muitos. Em um mundo que valoriza o concreto e o racional, a fé oferece uma dimensão de transcendência e de consolo que não pode ser facilmente substituída.
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Ainda que as respostas religiosas nem sempre sejam claras ou imediatas, elas fornecem uma perspectiva mais ampla sobre o sofrimento e a vida, promovendo resiliência e sentido. Mais do que isso, a religiosidade também fortalece laços sociais e valores éticos que são essenciais para a convivência humana. Assim, mesmo em um cenário de ceticismo, de desafio, a fé continua sendo uma força vital para aqueles que se dispõem a abraçar suas propostas abstratas.

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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