Numa sala de aula temos uma diversidade humana que imprime um clima de convivência nem sempre tão pacífica como dizem os manuais de pedagogia. Em primeiro lugar porque tais manuais são escritos para professores que darão aulas para tijolos ou paredes. Alunos são vivos, são dinâmicos, têm emoções e sentimentos, têm inquietudes e querem mais. Os manuais não conseguem prever isto: acreditam que os alunos estejam sentados nas carteiras, acumulando conhecimentos, de maneira pacífica, apesar de vender a ideia de uma escola em movimento.
Diante de uma sala qualquer, minha proposta é atender a todos, indistintamente, em especial aos menos privilegiados, aos mais perdidos, aos mais falantes e inquietos, àqueles que ninguém quer como aluno. Estes precisam de um olhar diferenciado e acolhedor, vai que ali existe um gênio revolto!!! E eu me identifico com isso.
Com esta escolha bem delimitada, atraio para perto de mim os que se sentem excluídos dos demais olhares e dos demais zelos, ainda que todos os colegas digam que não fazem distinção entre seus alunos. Que todos são iguais (e ai começa o exercício da não democracia, pois não somos iguais). E optar por estes, diante de uma comunidade fechada a diálogos, é abrir fogo contra um exército bem municiado, que não aceita o diferente, apesar de manter um discurso de muita aceitação e total flexibilidade.
Sabendo por onde caminhava e caminho (e caminharei sempre) busco manter meus olhares no todo, valorizando a parte menos preferida e menos valorizada; em troca, percebo os avanços e as vitórias em questão de tempo: muitos trabalhos apresentados em grandes congressos, muitos artigos bem elaborados e associação aos laboratórios acadêmicos respondem-me que a escolha feita ainda é a melhor e que muitos seriam valorizados pela pequena atenção a mais que receberam.
Quando me perguntam porque prefiro trabalhar com alunos rebeldes, não sei ao certo a resposta, mas posso até entender que a identificação com eles é grande: também fui e sou rebelde no ato criador. Não acredito nos limites e não permito a intolerância, levando-me a ter olhares múltiplos e fala polifônica diante daquele que não olha como eu nem fala como eu. Ser diferente é um dom que deve ser privilegiado.
Esta escolha sempre me leva a sair da mesmice no ato didático. O diferente, o novo, o inusitado é um desafio a ser enfrentado e necessita apenas de ser notado e valorizado. Tal escolha faz com que eu seja obrigado a ser um diferente Afonso em cada dia: um curioso, um pesquisador, um desafiador, um inquieto e isso me dá estímulos para voltar a sala de aula, amanhã e depois e depois e depois. Peço que venham os baderneiros e os sem estímulos e que venham com vontade porque serão minhas escolhas.
Juntos construiremos alianças de modo a demonstrar o valor e a fortaleza de nossas escolhas. Tenho colhido, junto aos meus alunos diferentes muitas vitórias e sucessos. Eles são fantásticos e promissores. Suas diferenças fazem com que pensem para além da caixinha que a escola tenta colocá-los; e o poder criador se faz firme e presente nestas situações, que buscam sair do lugar comum
Interessante perceber que as dinâmicas da vida, tarefas domésticas ou cuidados com os filhos, atividades escolares são motivos para que as pessoas se desentendam pela falta de empatia, sem que um saiba o que mais incomoda ou sobrecarrega o outro. Todos falamos da empatia, todos nos sentimos empáticos, porém temos dificuldades em perceber que o nosso parceiro ou parceira está sobrecarregado com questões pessoais ou tentando manter uma casa funcional ou uma escolaridade ativa ou, ainda, uma vida social dentro de um nível de atividades adequadas para si.
Em uma relação interpessoal estamos em uma linha de igualdade, sem hierarquia. É necessário organizar a dinâmica da vida, levando em consideração a dinâmica de cada um dos pares, vendo o que é viável e adequado para cada um, sem que estejamos sobrecarregando o outro ou sem desprezar o peso que ele já carrega, pelas suas atribuições: tendo agir assim e ainda não me arrependi, uma vez que todos se sentem valorizados e percebem seus tamanhos diante do contexto.
A chave da relação adequada é quando existe o questionamento sobre como cada um mantém sua individualidade, de modo que entendamos que estar em um relacionamento não significa fundir-se em um único ser. Esta proposta seria tóxica e abafaria a vida do outro: é sempre adequado que cada um tenha sua vida de forma a respeitar a vida do outro. Respeito, o bom e velho respeito. Assim ampliamos a confiança necessária para uma boa relação e não precisamos de nos esconder diante de certas propostas mentirosas ou circunstancias nebulosas. Nada melhor do que o real.
É adequado que se respeite sempre os grupos sociais dos parceiros, as famílias, os amigos, as equipes, os alunos. E que se tenha o devido respeito às suas questões íntimas, sejam elas quais forem, é claro. Percebamos que o respeito é sinal da existência do amor e da empatia; não há espaço para punições nem desconfianças, se ambos agirem com seriedade e franqueza. Difícil acreditar numa relação tão serena, como é previsto pela teoria, mas é viável que tentemos a serenidade.
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Todos temos nosso círculo de amigos íntimos, que possibilitam respeitar os amigos e os momentos de nossos pares com seus grupos. Esta cumplicidade favorece ao amadurecimento interpessoal, com entendimento e construção de uma história de vida que se inicia numa relação a dois e se estende a um grupo ou a uma comunidade, de maneira forte e bem alicerçada. Avança para além do esperado e sempre traz algo novo na construção interior; é assim que enxergo a sala de aula ou o laboratório acadêmico.
Alinhar objetivos de vida e de relacionamento e traçar objetivos comuns é uma das formas de manutenção de uma relação; essa ação fortalece o vínculo, aumenta a cumplicidade e parceria e favorece ao autoconhecimento e ao conhecimento do outro. Dividir tarefas, elaborar projetos juntos, conversar sobre o que gostariam de fazer juntos e sobre como seria possível tirar isso do papel é uma grande oportunidade para se vivenciar a Vida em grupo. Espero ainda viver para ver a Escola tomar este rumo.(Foto: cottonbro studio/Pexels)
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do Lepespe, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da Unesp. Mestre e Doutor pela Unicamp, livre docente em Psicologia do Esporte, pela Unesp, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Diretor técnico da Clínica de Psicologia da Faculdade de Psicologia Anhanguera, onde leciona na graduação.
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