Dona Sônia, a professora mais antiga do Estado. Eu fui aluno dela!

dona sônia
(Foto: reprodução TVTEM/G1)

Há muitos, muitos e muitos anos havia uma escola fantástica, com professores sensacionais e uma oitava série incrível. Oitava série, para os novinhos, seria o penúltimo ano do Ensino Fundamental 2. Aqueles mestres formaram pessoas do bem, gente trabalhadora. Todos alcançaram o sucesso. E sucesso nada tem a ver com dinheiro. Pessoas bem-sucedidas são aquelas que trabalham naquilo que gostam, amam suas famílias, são felizes consigo mesmas e vivem sem prejudicar ninguém. Se tiver dinheiro, melhor. Um daqueles mestres está completando 44 anos na ativa. Dona Sônia, professora de Geografia, continua firme e forte na EE Maria de Lourdes França Silveira, no jardim Pacaembu(ou vila Santana, como queiram), em Jundiaí. Nestas quatro décadas não mudou de endereço. Ela é a profissional mais antiga da rede de ensino do Estado de São Paulo. Pelas aulas dela passaram mais de 30 mil alunos. Eu, que escrevo estas linhas, sou um deles. Com muito orgulho.

O ano era 1982. O regime militar ainda imperava. O presidente era João Figueiredo. A seleção brasileira tinha perdido a Copa do Mundo, na Espanha, para o italiano Paolo Rossi. As rádios, que começavam a tocar o rock nacional, tinham em suas programações Chico Buarque, Milton Nascimento, Elis Regina. Rambo, ET e Conan, clássicos da Sessão da Tarde, estreavam no cinema. E a turma da oitava série da ‘escolhinha’ rebolava para agradar a dona Sônia. A percepção que tenho hoje é que ela era linha-duríssima, o que foi confirmado nas recentes conversas com os colegas da época. O fato é que o jeito dela – com todas as exigências que muitas vezes não faziam sentido para crianças de 14 anos – foi importante na formação de caráter de todos, assim como os outros professores, a maioria deles hoje aposentados.

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Era o tempo em que o lousa era verde escuro e para escrever nela se usava giz. Merenda era sagu. Água se bebia da torneira. Ah, o mimeógrafo e o cheirinho de álcool nas provas! Usávamos avental que embranqueciam as ruas próximas, na entrada e saída da escola. Era um mar sem fim de estudantes. Quem tinha aula com a dona Sônia precisava se preparar bem. Os deveres que ela passava eram fora da curva. Mandava fazer mapas. Mas tinha de ser na mão até porque naquela época tirar fotocópia era só para documentos. Não existia computador, muito menos impressora em casa. Mas ela ensinou a técnica: colocar uma folha de papel manteiga, meio translúcido, em cima do mapa e copiá-lo. Depois, passava-se o lápis atrás do desenho e, já em cima da folha de papel, as linhas eram desenhadas novamente. O mapa ‘aparecia’ na folha. Ainda tenho o Atlas que a professora de Geografia mandou comprar para estes trabalhos. Ao folhá-lo tenho saudades daquele mundo bem mais simples…

Os trabalhos da dona Sônia deveriam sempre ser feitos em folhas de papel almaço, equivalente a duas folhas de caderno unidas. Ai de quem entregasse a tarefa em folha de caderno. E para fazer a lição, nada de letra de forma. A mestra só aceitava letra de mão(hoje chamada de ‘letra cursiva’). Justificava ela: “eu não dou aulas para robôs”. Esta exigência me fez sofrer um bocado. Na oitava série já escrevia com letra de forma e voltar as origens não foi fácil. Até hoje, quando faço uma anotação, lembro da dona Sônia e me sinto o próprio R2-D2 de Guerra nas Estrelas.

Numa época em que só queria jogar bola na rua e basquete na escola, a professora de Geografia mandava todo mundo ler jornal. A guerra das Malvinas(Argentina x Inglaterra) era uma fixação dela. Jornal não faltava em casa. Meu pai comprava para fazer as palavras-cruzadas. Eu gostava mesmo dos quadrinhos. Pensava como Caetano Veloso, em ‘Sem Lenço, Sem Documento’: “quem lê tanta notícia?”. Quem diria que o jornalismo seria meu ganha-pão…

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Foi com ela que aprendi duas máximas. Quando estava explicando algo e soltava uma palavra difícil logo emendava: “se não sabem o que significa procurem no pai dos burros”. Ela se referia ao dicionário. Ao flagrar alguém desenhando na carteira dizia: “burro onde passa deixa rastro”. Dona Sônia deve ter se adaptado aos tempos modernos, dos mimimis, dos nhem-nhem-nhens. Não sabíamos o que era politicamente correto. Não nos fez a mínima falta…

Hoje, a nossa escolinha(acima) parece uma prisão. Construíram muros por todos os lados. São necessários para manter a segurança, problema que não existia há quatro décadas. A cor de concreto foi substituída por um azul sem graça. Ou talvez sem graça estejam os meus olhos que procuram ver algo que não existe mais. E a dona Sônia? Aos 73 anos, ela continua dando aulas, agora com tatuagens nos braços e cabelos coloridos. Merecidamente ganhou uma matéria na TVTEM e no G1. Hoje, os alunos a chamam por ‘Biro’, referência ao cabelo do ex-jogador Biro-Biro, do Corinthians de Sócrates e Casagrande. Na minha época o apelido não era este. Tinha mais a a ver com uma fruta cujo formato lembrava o penteado que ela usava há 40 anos: um enorme birote. Não tenho coragem de revelar aqui o apelido. Respeito antes de tudo. Mas, o cabelo de dona Sônia, em 1982, estava mais para Marge Simpson ou Amy Winehouse…

Dona Sônia no churrasco com os ex-alunos
A turma de 1982 e professores

Anualmente, aquela turma de 1982 se reúne. E a mestra participa sempre dos churrascos dos ex-alunos(fotos acima), hoje homens e mulheres que caminham para a terceira idade. Confesso que estas reuniões são difíceis para mim. Sinto-me como Totò, do filme Cinema Paradiso: na praça de sua cidade natal, no sul da Itália, assistindo a demolição do cinema, observando as pessoas que fizeram parte do seu passado.

Enfim, parabéns, dona Sônia. Estes 44 anos devem ter sido osso duro de roer. A senhora merece uma homenagem do Governo do Estado(alô, alô, governador Tarcísio!!!), da Prefeitura(alô, alô, Luiz Fernando Machado!!!), da Câmara de Jundiaí(alô, alô, vereadores!!!). A senhora merece uma escola com seu nome!!! Obrigado por ter sido minha professora.(Marco Antônio Sapia)

Para Solange Casarin(na foto ao lado com a professora), dona Sônia foi um marco. “Com ela aprendi sobre clima, vegetação, capitais. Só que ela tinha um diferencial: queria que seus alunos fossem além. Toda semana dizia: leiam jornal, leiam a Veja. Se atualizem sobre política, economia, notícias atuais. Demoramos pra entender o porquê disso tudo. Uma vez, numa prova da 7ª série, todo mundo com a matéria estudada, ela entrou na sala e disse: peguem o almaço para a prova. Uma única questão: ‘Falem sobre a Guerra das Malvinas’. Foi um choque. Derrubou a classe.  Fez isso pra mostrar que a vida nunca é o que programamos. Isso ficou marcado pra mim. Ela sempre foi à frente do seu tempo na educação. Minha total admiração e meu eterno respeito, dona Sônia…

José Roberto Pascon, também ex-aluno, afirma que a professora é um exemplo de perseverança no mundo da Educação onde nem sempre os mestres tem o reconhecimento merecido . “Ela foi minha professora nos últimos anos do antigo ginásio, época muito marcante aos alunos da EE Professora Maria de Lourdes França Silveira. Em suas aulas de Geografia a gente viajava com ela naqueles mapas que tínhamos que ter as nossas próprias versões sob risco de repreensão . Mas tenho que reconhecer: fazer os mapas foi muito enriquecedor. Além dos mapas, ela nos obrigava ler artigos de jornais, selecionar e recortar os de interesse para a Geografia e fazer um resumo. Foram naqueles anos que tivemos os primeiros contatos com o jornal impresso. A intensidade e profundidade das aulas fez com que ela nos acompanhasse até hoje estando sempre presente nos encontros dos ex-alunos da escolinha, mais de quatro décadas depois”.

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