Corremos tanto, fazemos tanto, pensamos tanto, planejamos tanto e a Vida vai tomando seu rumo, nem sempre seguindo nossos planos. Nunca nos percebemos que o Tempo não aceita negociações nem atende ao nosso planejamento íntimo. O grande dilema é: e se não der tempo…? E se os sonhos sobrarem e os pensamentos não forem aplicados, como ficam as coisas?
Acaso algum de nós se deu conta de que muitos de nossos desejos não serão concretizados pelo fato incomum de que não dará tempo? Tanto lutamos, tanto esboçamos que acabamos por não realizar nosso maior desejo porque, justamente não dará tempo. Que serão de nossos sonhos…
Tantos amores não se completarão, como tantas amizades não se alicerçarão, além de tantos parceiros não se edificarão, somente porque não deu tempo. Não serão desencontros, nem desatinos, nem esquecimentos que burlarão nossas ideias: não deu tempo. Exatamente isso. Somos tão acostumados a controlar tudo e a manejar o relógio a nosso favor, que nunca nos damos conta que o Tempo é soberano e ele não manda recado.
És um senhor tão bonito/ Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo/ Vou te fazer um pedido
Compositor de destinos/ Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo/ Entro em um acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Todos nós nos sentimos importantes e compromissados, até quando não somos tão pontuais nem sérios, inclusive conosco mesmo. Cada um de nós se percebe dentro dos seus deveres e dentro de seus espaços, mas no fundo do íntimo de cada um, bem lá no fundinho, temos intencionalidades armazenadas para serem resolvidas amanhã (ou segunda-feira) (ou ano que vem!!!). E se não der tempo?
Aquele nosso filho que precisa de um cuidado maior, um zelo mais apurado, hoje, e que postergo para depois, porque as minhas necessidades pessoais são prioritárias, espera por um momento que pode não chegar, pois pode não dar tempo. E o presente que sempre sonhei em dar, em surpreender quem sempre me surpreende, mas sempre espero por uma data mais adequada, pode nunca vir a ser dado, justamente porque pode não dar tempo. Ah, o Tempo…
O show da banda que me abala as emoções, a viagem tão sonhada e protelada, a pintura da casa que deixamos sempre para o próximo mês e a visita àqueles amigos da cidade vizinha podem correr o risco de não dar tempo. Ou porque adiamos ou porque temos sempre algo mais importante e que nos dê prazer instantâneo, sem cobrir nossas pulsões mais intimas e verdadeiras: infelizmente optamos pelo mais fácil e pelo que pode ser visto por um número maior de pessoas que, na verdade, não significam muito para nós, mas ajudam a inflar nosso ego e é isso o que nos basta. As demais coisas podem esperar, ainda que possa não dar tempo.
Por seres tão inventivo/ E pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo/ És um dos deuses mais lindos
Tempo, tempo, tempo, tempo/ Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho/ Tempo, tempo, tempo, tempo
Ouve bem o que te digo/ Tempo, tempo, tempo, tempo
E, desta maneira vamos vivendo, numa sociedade caótica e veloz, com propostas para serem executadas agora e, em especial, ainda que pouco importantes, tomam um vulto avassalador e gigantesco, dando a percepção de que representa a Vida; enquanto isso, a Vida vai se esvaindo, lenta e sabiamente, permitindo-nos escolher aquilo que nos aprouver: somos os senhores de nossas escolhas e das consequências advindas delas.
Felizmente podemos escolher e infelizmente nem sempre escolhemos adequadamente: nossas escolhas costumam cair sobre aquilo que dá visibilidade e notoriedade. Nem sempre optamos por aquilo que é necessário e conveniente, mas lançamos nossos esforços na realização daquilo que nos dê aplausos e comentários sobre nossos feitos insatisfatórios e frágeis, mas aos olhos comuns aparecem como coisas fantásticas. Como gostamos de nos iludir com os valores…
É desta maneira que nos afastamos de nossa família, porque temos uma vida inteira para visitá-la. Ou deixamos aqueles amigos de lado, pois temos um ano inteiro para nos encontrarmos. No mesmo caminho ficam nos esperando os amigos com quem havíamos combinado um almoço ou uma viagem, uma empresa ou negócio que dependia de um telefonema que não demos, uma mensagem na rede social que ou não lemos ou não respondemos. Sempre temos uma resposta ou uma desculpa para justificar o que não executamos, pois pode ser realizado amanhã ou logo mais. E se não der tempo?
Peço-te o prazer legítimo/ E o movimento preciso
Tempo, tempo, tempo, tempo/ Quando o tempo for propício
Tempo, tempo, tempo, tempo/ De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido/ Tempo, tempo, tempo, tempo
E eu espalhe benefícios/ Tempo, tempo, tempo, tempo
Assustamo-nos ao ouvir ou ver aquelas histórias fantásticas do filho que não foi visitar os pais e eles se foram; ou da noiva que cansou de esperar e desculpar as criancices do amado, que foi um grande vacilão; ou do aluno que perde o ano escolar porque deixou para estudar, sempre, em vésperas de provas; ou do amigo que cansou de esperar seu parceiro que sempre prometia propostas nunca cumpridas. Tais histórias sempre acabam de forma desastrosa: não se concretizam e, de repente, não dará tempo para mais nada, jamais acontecerão…
Por isso, tenho vivido meu Tempo, meu presente: sem a ansiedade do futuro e sem as mágoas do passado, somente o hoje. Busco (ainda me exercito com muita força) não lamentar nada, nem o bem que me fizeram e tão pouco o mal, olhando com certa indiferença. Estou em treinamento deste novo estágio de Vida; quero, com muita intensidade, que esteja pago, varrido, esquecido e que se dane o passado. Fiz uma fogueira com minhas mágoas, meus prazeres não atingidos, meus parceiros que não se acostumaram comigo e me esqueceram nas esquinas da Vida: não, não preciso mais deles.
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É assim que recomeço a caminhar. Redescubro a Vida, repagino as esquinas, reencontro amigos. Varridos os amores antigos, com todos os seus tremores e esquecimentos e vacilos, varridos para sempre, é claro que terei tempo para recomeçar do zero. Não, eu não me lamento nada, nem o bem que me fizeram e nem o mal, isso tudo me é indiferente; do passado, absolutamente nada será lamentado, visto terem sido experiencias fabulosas e intensamente vividas. Eu não lamento nada, pois minha vida, pois minhas alegrias, isso tudo começa agora, com você.
Tempo, tempo, tempo, tempo/ Quando o tempo for propício
Tempo, tempo, tempo, tempo/ De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido/ Tempo, tempo, tempo, tempo
Corro contra o Senhor de Tudo. Corro contra o Tempo, porque temo que algumas experiências não mais terei tempo. E se não der tempo? (Foto: ladimeji Ajegbile/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do Lepespe, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da Unesp. Mestre e Doutor pela Unicamp, livre docente em Psicologia do Esporte, pela Unesp, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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