ENTREGADOR é baleado por cliente

entregador

Que tipo de sociedade assiste uma cena assim? A nossa, em pelo menos três episódios recentes. Na  primeira cena, em abril do ano passado na cidade do Rio de Janeiro, uma mulher usa a guia de seu cachorro para desferir chicotadas na direção de um entregador de aplicativo. Este recua, se afasta, esquiva-se das tentativas. Mesmo assim, foi atingido. A agressora está sendo processada. O entregador tem 36 anos, três filhos e as entregas são sua única fonte de renda.

Em janeiro deste ano, na mesma cidade, uma cliente ameaçou com uma faca, na verdade um cutelo feito para cortar ossos, um entregador por aplicativo que se recusou a subir em seu apartamento para fazer a entrega. O aplicativo tem regras claras para o caso de condomínios: a entrega deve acontecer na portaria. O entregador de 22 anos gravou a cena e formalizou a denúncia.

Na semana passada, outro entregador do Rio de Janeiro foi vítima de um cliente pelo mesmo motivo(foto). Seguindo as regras do aplicativo, recusou-se a subir até o apartamento. Na volta para o restaurante, após cumprir os procedimentos exigidos, foi perseguido pelo cliente. Depois de uma discussão, o rapaz foi baleado. Com 24 anos, passou uma semana em estado grave na UTI. Segue internado no hospital, mas o trauma do acontecimento o impede de dormir. Chegou a perder a fala.

De tantas coisas que poderíamos refletir sobre tais episódios nefastos, quero destacar três pontos em comum. Longe de ser coincidências, os agredidos são todos negros, as pessoas agressoras são brancas e de classe média e, por fim, o palco é a cidade do Rio de Janeiro. Trata-se da continuidade de uma sociedade do tipo Casa-Grande e Senzala, em que algumas vidas valem mais que outras.

Não podemos subestimar a força da cultura. Foi esta cidade que recebeu, em 1808, a mudança da coroa portuguesa para o nosso território, no auge do regime escravagista. A desumanização de um corpo negro, que realiza um trabalho similar ao da escravidão, segue fazendo vítimas. Seja deixando morrer, seja matando de fato, com facas ou armas de fogo. Se não bastasse excluí-las, algumas pessoas preferem eliminá-las.

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O Rio de Janeiro não é um caso isolado. Apenas ajuda a iluminar as violências sofridas por pessoas nesta situação de trabalho. O Brasil tem cerca de 385 mil entregadores por aplicativo. Representando a maioria, 68% são pretos e pardos. Os demais 32% também estão submetidos às mesmas condições deletérias de trabalho. Soma-se o descaso do Estado, o desemprego estrutural e a indiferença da sociedade. Para jovens entre 14 e 24 anos, o desemprego beira aos 50%.

Sem garantia de um mercado de trabalho justo, a saída é submeter-se a este tipo de empreendedorismo-de-si-mesmo, assumindo todos os custos, riscos e incertezas, realizando jornadas que superam 70 horas semanais. Se permanecer vivo, o resultado é um trabalho precário, uma renda insuficiente e medo, muito medo.(Foto: reprodução redes sociais)

MARCELO LIMÃO

Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP.  Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042

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