A jornalista Sumara Mesquita, amiga do vereador e folião Erazê Martinho, escreveu este texto há alguns anos. A homenagem já foi publicada em outros jornais. Mas vale a pena ser registrada também no Jundiaí de Antigamente já que Erazê foi um sujeito excepcional.
O texto:
Se eu morrer, você chora? “Nossa. Acho que seco de tanto chorar. Já pensou? Mas isso vai demorar muito pra acontecer”, disse eu à pergunta inesperada do Erazê.
Era uma tarde de sábado e estávamos nos deliciando com o yakissoba que ele fazia com tanto capricho. Mirávamos o sol que tingia de laranja as árvores de seu famoso sítio Sem Fim e seus cães vira-latas que brincavam na grama seca.
Então eu perguntei: “O que eu faço se você morrer?”. “Chora, uai! Ninguém mandou ser amiga de velho”, respondeu ele. E eu ri. Ri e depois fiquei refletindo sobre como essa amizade com o Erazê foi um divisor de águas em minha vida.
Como ele mesmo dizia, eu era apenas uma ninfetinha quando o conheci. Era repórter na Rádio Cidade e o conheci como vereador do PT, no início da década de 90. Foi aí que teve início nossa saga. Sempre me perguntam o que eu era dele. Eu também já perguntei isso ao Erazê. E uma vez ele disse, “eu não tenho filha mulher. Fica aí ocupando essa vaga”. Adorei.
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De certo que havia um mito envolvendo esse homem. Sua presença, sua amizade, sua sapiência, sua sensibilidade, sua honestidade nua e crua. Tudo isso foi divisor de águas para um bocado de gente. Gente que o idolatrava, que o imitava, que o disputava, que o temia e, que como eu, simplesmente o amava.
Ele foi saudado pela poetisa Cecília Verby, na canção que o homenageou no Refogado, como o “amigo dos sem amigo”. E era mesmo. Tinha amigos intelectuais, filósofos, cientistas, jornalistas, juristas. Mas também achava um deleite sentar-se nos botecos da Ponte São João e bater papo com os camaradas e os tais “sem amigos”, bebendo uma Japi. Os homens tinham por ele respeito e admiração. Alguns, um certo temor. Suas palavras inebriavam, mas também esfolavam. Isso pra quem merecia. Eu, por exemplo, já mereci. E as mulheres, essas o amavam. Por sua sensibilidade e seu tato com o sexo oposto. A recíproca era verdadeira. Ele também era fã de sua legião feminina. Vivia rodeado por elas, que o consideravam um gênio, um guru e, claro, um grande sedutor.
Dia 18 de março deste ano ele faria 84 anos. Erazê sempre dava um jeito de sumir no dia do seu aniversário. Não gostava de festejar a data. Não gostava de lembrar que o tempo estava passando tão rápido, embora, uma vez me tenha dito que essa vida é muito, muito longa e que estava demorando muito pra ele morrer. “Deus me livre de ficar velhinho, em cadeira de rodas, com mantinha xadrez em cima das pernas, babando, com as mãozinhas tremendo”, costumava dizer, encenando um velhinho debilitado. E a gente achava graça, porque essa cena não combinava mesmo com ele.
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Erazê Martinho, mais do que um ser iluminado, agraciado por Deus com tamanha inteligência, era antes de tudo uma grande festa. Aonde quer que estivesse, sempre havia gente animada ao seu redor. Ele conseguia atrair as pessoas e tirar o melhor delas. Pouco depois de ele partir, morei no ‘Sem Fim’ e, muitas vezes, sozinha, sentia sua presença na casa. Encostava na porta da cozinha, onde eu costumava ficar enquanto ele me servia vinho chileno, fazendo alguma comidinha gostosa e contando casos deliciosos, e ficava esperando para ver se ele não surgia do quintal, resmungando sobre os cães terem puxado as roupas do varal. Mas ele realmente se foi, porque há 11 anos não vemos seu brilho no Refogado. Nem como palhaço, nem como Deus Baco, nem como malandro. E aí, minha ficha, e talvez a de muita gente, após esses anos, começa a cair.
Logo que Erazê se foi, eu estava grávida e com a sensibilidade a flor da pele. Tinha a sensação constante de que o ouvia me perguntar, “Mesquitinha, você acredita que eu morri? Cara eu morri! Não, Erazê, não dá pra acreditar. Inclusive, no dia 18 de março, data de seu aniversário, costumamos ir ao Natura, onde você gostava tanto de estar e celebrar a vida com os amigos. Sorte dos queridos Carlito Maia, do Muza, do Vasinho D’angeri, do Ademir Fernandes, da Fernanda Limas, da Ema Ivanira, de sua amada Valdice e tantos outros amigos que já se foram, terem você por perto pra dar uma agitada no ambiente e fazer das harpas uma grande sinfonia de tamborins. Você faz uma falta imensa. Sempre. Com amor Sumara...(fotos acervo Sebo Jundiaí/Maurício Ferreira e Facebook)