O ETARISMO e a exclusão do trabalhador idoso

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Neste mês, completo 60 anos de idade. Um marco importante, simbólico, que deveria ser comemorado como sinônimo de trajetória, de resiliência e de sabedoria acumulada ao longo da vida. No entanto, ao invés de celebração plena, o que tenho vivenciado com mais intensidade é um processo insidioso e cruel que ganha cada vez mais visibilidade em nossa sociedade: o etarismo.

Falo como alguém que dedicou a vida à luta por direitos, à formação de novas gerações de assistentes sociais e à defesa intransigente dos princípios éticos que regem nossa profissão. Sou professor universitário do curso de Serviço Social e, mesmo com uma carreira sólida, reconhecida e comprometida, tenho enfrentado, com dor e perplexidade, as barreiras que a idade impõe na tentativa de inserção no mercado de trabalho da rede socioassistencial da cidade de Jundiaí, onde resido.

Essa realidade, no entanto, não é um episódio isolado. Trata-se de uma expressão concreta da questão social que envolve o envelhecimento populacional e a negação de direitos básicos à população idosa — entre eles, o direito ao trabalho digno. A Constituição Federal de 1988, ao assegurar a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, impõe ao Estado e à sociedade o dever de proteger a velhice, como também consagrado no Estatuto da Pessoa Idosa. No entanto, o que vivenciamos, na prática, é o oposto disso: o desrespeito, a invisibilização e a exclusão sistemática daqueles que envelhecem.

Tenho sequelas da poliomielite desde os nove meses de idade. Cresci enfrentando inúmeras barreiras impostas pelo capacitismo — essa ideologia perversa que naturaliza a exclusão de pessoas com deficiência ao lhes negar capacidade e autonomia. Superei inúmeros obstáculos para chegar onde cheguei: formei-me, especializei-me, lecionei, atuei em campo, pesquisei e resisti. No entanto, agora, no início da minha sexta década de vida, deparo-me com outro obstáculo: o preconceito etário.

Por muitos meses, enviei meu currículo a diversas Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e empresas da região de Jundiaí. Colocava, como de praxe, minha data de nascimento. Nunca era chamado para processos seletivos. Por intuição e observação, resolvi omitir minha idade. O cenário mudou drasticamente: comecei a ser convocado, elogiado pela minha experiência, aprovado nas etapas iniciais. No entanto, bastava que minha idade se tornasse conhecida na entrevista presencial para que, misteriosamente, o processo fosse encerrado. Essa realidade expõe a face cruel do etarismo: a desvalorização do idoso como trabalhador, a negação do mérito e da trajetória, a substituição da competência pelo estigma.

E não, não trago este relato em tom de lamento ou vitimização. Trago-o como denúncia, como ponto de partida para uma análise mais profunda — ética, crítica e técnica — do envelhecimento como expressão da questão social. Como assistente social, me cabe levantar esse debate, especialmente quando vivenciado em primeira pessoa. O envelhecimento populacional é uma realidade cada vez mais presente no Brasil. Dados do IBGE (2023) indicam que a população com 60 anos ou mais já representa cerca de 15,1% do total de brasileiros, com tendência de crescimento contínuo. Estima-se que, em 2030, o número de idosos ultrapassará o de crianças e adolescentes no país, invertendo a tradicional pirâmide etária.

Essa mudança demográfica tem impactos profundos nas políticas públicas, especialmente na Previdência Social, na Saúde e na Assistência Social. A longevidade, embora deva ser celebrada como conquista da humanidade, passou a ser tratada sob uma lógica perversa de “custo”, sendo o idoso muitas vezes representado como “ônus” ao Estado e ao mercado. O discurso economicista que permeia o debate previdenciário reforça essa visão, obscurecendo o direito social à aposentadoria e à proteção na velhice.

Contudo, incluir pessoas idosas no mercado de trabalho não é apenas uma resposta ética às transformações demográficas, é também uma estratégia inteligente do ponto de vista econômico e social. Profissionais mais velhos carregam consigo um repertório de vivências, conhecimentos e competências que não se aprendem em cursos ou treinamentos. Possuem maturidade emocional, estabilidade, capacidade de mediação de conflitos e um olhar sistêmico que resulta de anos de prática. A presença de idosos no mundo do trabalho contribui para a diversidade geracional, o que, conforme diversos estudos na área de gestão de pessoas, potencializa a inovação e o desempenho das equipes.

Além disso, manter os idosos ativos no mercado de trabalho contribui diretamente para o fortalecimento da economia. Ao prolongar sua vida produtiva, essas pessoas ampliam sua capacidade de consumo, reduzem a pressão sobre a Previdência e continuam contribuindo para a seguridade social. A lógica do “descartar por idade” é, portanto, não apenas discriminatória, mas também irracional do ponto de vista do desenvolvimento sustentável.

É importante lembrar que o etarismo é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma forma de violência. Ele se manifesta de maneira sutil e cotidiana: na recusa de oportunidades, na linguagem utilizada, na ausência de políticas de inclusão, nas piadas, na ridicularização. Assim como o racismo, o machismo e o capacitismo, o etarismo mina as bases de uma sociedade democrática e plural. Ao naturalizá-lo, estamos aprofundando desigualdades e violando direitos fundamentais.

Nesse contexto, o Serviço Social, enquanto profissão comprometida com a defesa dos direitos humanos e com a universalização da cidadania, tem um papel estratégico na denúncia do etarismo e na promoção de práticas inclusivas nas políticas públicas e nas instituições. É fundamental que assistentes sociais estejam atentos às dinâmicas de exclusão que afetam a população idosa, tanto no âmbito da proteção social quanto no mercado de trabalho, propondo estratégias de enfrentamento e valorização da velhice.

O artigo 4º do nosso Código de Ética é claro ao afirmar que cabe ao Assistente Social “defender intransigentemente os direitos humanos e recusar o arbítrio e o autoritarismo”. Ao denunciar o etarismo, não apenas defendo meu lugar como trabalhador, mas também assumo o compromisso ético com uma sociedade mais justa e igualitária. Faço isso não apenas por mim, mas por tantos outros profissionais, idosos ou não, que sofrem calados com o preconceito velado.

A luta pela inclusão deve ser ampla e interseccional. Não podemos lutar contra o racismo sem lutar contra o etarismo. Não podemos falar de diversidade se não incluímos pessoas com deficiência, LGBTQIA+, negras, indígenas e idosas nos espaços de trabalho, de poder e de decisão. Toda exclusão se conecta. Toda luta por justiça deve ser coletiva. Como cidadão, profissional e ser humano, quero continuar contribuindo com o mundo que ajudei a construir. Quero continuar ativo, não apenas como avô, mas como agente de transformação social.

Que os 60 anos que agora completo sejam bem-vindos, e que eles sejam marcados não pela exclusão, mas pela resistência, pela voz que não se cala e pelo compromisso inegociável com os princípios que norteiam minha vida e minha profissão. Continuarei lutando por um mundo onde todos os sons e todas as cores sejam respeitados — um mundo onde envelhecer não seja sinônimo de invisibilidade, mas de reconhecimento.

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O etarismo precisa ser enfrentado com políticas públicas eficazes, campanhas de conscientização, revisão de práticas institucionais e, acima de tudo, com coragem. Coragem de dizer que o tempo não nos torna obsoletos. Nos torna mais humanos.(Foto: Pikist)

REINALDO FERNANDES

É assistente social, pós-graduado em docência no curso superior e em Gestão em Políticas Públicas, tutor presencial na Faculdade Anhanguera, membro titular do CMAS, com experiência em políticas públicas, diversidade e inclusão social. Foi o primeiro coordenador dos Direitos das Pessoas com Deficiência em Jundiaí”

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