Primeiro, na expectativa, passava observando somente o que havia na calçada e com um saco de estopa nas costas. Comovia-me o seu estar de lá para cá acima das forças de suas rugas. Depois de meses, perguntou-me se possuía roupas para lhe dar, mas precisavam ser coloridas. Comecei a guardar algumas que pudessem ser do gosto dela e estabelecemos amizade.
Egressa de um circo. Fazia parte das bailarinas de roupas bordadas com lantejoulas e sapatilha dourada. Chegou a arriscar-se no trapézio, presa pelos braços fortes do artista principal. Quanta emoção! Batimentos cardíacos acelerados.
Recordei-me da música “Alma de Palhaço” cantada por Carequinha: “De um circo eu sou palhaço/ No rosto levo este traço/ para alegrar a multidão/ Mas é tudo fantasia/ É falsa a minha alegria/ É tudo, tudo, ilusão…”.
A cada dia, criando expectativa, me conta um retalho de sua história. Recorda-se de quando o circo ficou próximo ao rio Paraguai. Acredita que no Mato Grosso. Encantou-se com as águas. Chegou a andar de barco. Uma aventura. Foi lá que o mágico a pediu em casamento. Confessou-me que acompanhou o circo, ao passar por sua cidade – a mãe ficou indignada -, não pelo desejo de bailados, mas para ficar perto do Lorenzo. Existe a música “Artista da Vida” do Gonzaguinha:
“Vozes de um só coração
Igual no riso e no amor
Irmão no pranto e na dor
Na força da mesma velha emoção
Nós vamos levando esse barco
Buscando a tal da felicidade
Pois juntos estamos no palco
Das ruas nas grandes cidades…”
Aqueles olhos verdes a enfeitiçaram. No começo foram felizes, mas depois ele se derretia todo com as sirigaitas – termo por ela usado – que o rodeavam. Morria de ciúme. Nas primeiras vezes, reclamou, contudo ele falava que era parte de seu papel para atrair o público e ficava violento. Ela, da fidelidade, jamais olhou para um homem diferente, embora fosse cortejada. Tiveram dois filhos que não quiseram ser do circo. Fizeram a vida do outro lado da fronteira. Não sabe mais deles. Ela também se apresentou do lado de lá do Brasil.
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O Lorenzo morreu, não se recorda a data, de tanto beber. Não aguentou ver a lona desbotada, a chuva que entrava e a plateia quase vazia. Para continuar o seu par, no espetáculo dos dias, começou a se embriagar também. Até que o dono do circo, sem público e sem renda, avisou que não dava mais e desmontou o picadeiro. Disse-me: “Não conte para ninguém, mas sempre tenho debaixo da cama uma cachaça”. Gargalhou, escancarando seus dentes danificados. Mudou-se para cá pois tem as irmãs e os sobrinhos. Cuidam dela na medida do possível. Não gosta que a segurem em casa. Necessita buscar as roupas coloridas.
Sua expectativa: se outro circo passar, precisa do figurino pronto para seguir com ele. Faltou se apresentar em uma última valsa e talvez creia que com o fantasma do Lorenzo.(Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)
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