Quando falar não é o SUFICIENTE

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Há um silêncio estridente que ecoa entre as palavras mal interpretadas. Uma frase lançada ao vento, uma tentativa de expor um ponto de vista, e lá está ele: o vazio. Um abismo que se abre entre o que você quer falar e o que o outro entende. Essa é uma das grandes tragédias das relações humanas: a dificuldade em ser compreendido, especialmente em um mundo que prega a empatia como solução universal, mas raramente a pratica com profundidade.

Mas seria a empatia, da forma como é amplamente defendida, realmente a resposta? A palavra é bonita, é vendável. Ela sugere que basta se colocar no lugar do outro para que todos os problemas de comunicação e compreensão sejam resolvidos.

No entanto, quem já tentou se fazer entender em meio a uma discussão calorosa sabe que é muito mais complicado do que parece. O problema com a empatia simplista é que ela se limita a um “eu te entendo” vazio, enquanto as questões mais profundas permanecem ignoradas.

Talvez o maior desafio não seja ser compreendido, mas manter-se funcional diante da incompreensão. Imagine a cena: você explica algo que, para você, faz todo o sentido do mundo. A outra pessoa, porém, responde com clichês, julgamentos rápidos ou, pior, desinteresse. O impulso imediato é se exaltar ou desistir. Mas e se houvesse um caminho do meio? Um caminho que combinasse camaradagem com sabedoria?

Ser funcional e racional nesse cenário exige, antes de tudo, um certo distanciamento emocional. Isso não significa ser frio ou indiferente, mas sim cultivar a capacidade de analisar a situação sem ser consumido pela frustração. Pergunte-se: “Essa pessoa realmente tem condições de compreender meu ponto de vista?” Nem todos têm. E isso não é uma questão de superioridade ou inferioridade, mas de experiência, contexto e disposição.

A camaradagem, nesse contexto, é mais do que simplesmente ser gentil. É a capacidade de reconhecer as limitações alheias sem desprezo, mas com generosidade. Você não precisa concordar com tudo venham a falar e nem se esforçar para que o outro concorde com você. Em vez disso, é possível oferecer um espaço seguro para a troca de ideias, mesmo que o entendimento pleno não seja alcançado.

Considere uma história comum: uma amiga busca seu conselho sobre um problema amoroso. Ela está presa em um relacionamento que claramente não faz bem a ela. Você tenta falar, argumentar, expor os fatos, mas tudo o que recebe de volta são desculpas para justificar a permanência dela na situação.

A reação mais fácil seria desistir ou se irritar, mas a camaradagem pede algo mais difícil: estar ali, mesmo quando suas palavras não são ouvidas. Às vezes, ser compreendido é menos importante do que ser presente.

Outro elemento-chave é saber quando falar e quando calar. Nem todo ponto de vista precisa ser defendido até o último argumento. Há ocasiões em que o silêncio é mais eloquente do que qualquer palavra. Escutar sem a intenção de responder imediatamente é um ato de sabedoria.

Às vezes, as pessoas não estão prontas para ouvir algo que desafie suas crenças ou sentimentos, mas podem se beneficiar de uma escuta atenta. Por outro lado, quando a oportunidade de falar surge, é essencial escolher as palavras com cuidado. Um discurso inflamado pode até ser satisfatório no calor do momento, mas raramente resulta em compreensão. Já uma abordagem ponderada e objetiva tem mais chances de abrir espaço para um diálogo construtivo.

É possível ser racional sem perder a humanidade? A resposta está no equilíbrio. Racionalidade sem empatia verdadeira pode se tornar frieza. Empatia sem racionalidade, por outro lado, pode levar a uma compaixão mal direcionada, que resolve pouco e desgasta muito.

O segredo está em combinar as duas coisas de forma prática: reconhecer os sentimentos envolvidos, mas também manter o foco no que pode ser feito. A sabedoria, nesse caso, é entender que você não pode controlar como os outros interpretam suas palavras ou suas intenções.

O que você pode controlar é a forma como você escolhe reagir à incompreensão. E essa é uma lição que se aprende com o tempo, com erros e acertos, e com a disposição de crescer a partir de cada experiência.

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No final das contas, a dificuldade de ser compreendido é parte do que nos torna humanos. A solução não está em se desesperar ou em exigir que o mundo mude para acomodar nossas perspectivas. Está, em vez disso, em encontrar formas de navegar essa incompreensão com dignidade, paciência e, acima de tudo, humanidade. A camaradagem e a sabedoria são como duas velas que iluminam o caminho: uma para aquecer e outra para guiar.

Com elas, é possível atravessar até os abismos mais profundos da comunicação humana, sem perder a racionalidade, a sabedoria e a afetividade: simplesmente existe com dignidade e respeitando a todos com igual dignidade.(Foto: Pressmaster/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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