Estava pensando na primeira crônica do ano. Como é difícil resumir ou projetar diante de um ano tão atípico. Falar o quê? Das dificuldades, das tristezas, dos desmandos e dos descasos? Das esperanças, das crenças, das certezas? Quanto antagonismo e quanta incerteza vivemos, tudo junto e misturado, em apenas 365 dias; quem diria que isso seria possível. Nem o mais alucinado dos doentes mentais, em sua mais alta potência de loucura seria capaz de pintar um quadro do tamanho deste. Então, falar o quê?
Nossa capacidade de adequação e de superação sempre foi altíssima, mas desta vez fomos tomados de uma situação que não nos possibilitou tentativa e erro: foi acertar ou acertar. Na economia, tentamos (e ainda estamos tentando) dar pinotes que o mais puro sangue, numa arena de Bebedouro, conseguiria, para salvar um pouco do saldo positivo, sem muito sucesso.
Na segurança, aliás, segurança de quê? Estivemos tateando sem conseguir controlar ao pancadões e as raves que se multiplicavam, com ou sem prévio aviso, mas infernizaram cidades sem medo e sem controle. Lógico que a polícia sempre chegava, no fim da festa, garantindo a segurança (rsssss). Quanta ironia. Quanto absurdo. Segurança no trabalho? De que tipo de serviço? Do on-line? Do terceirizado? Do funcionalismo? Dos políticos? Segurança de quê e para quem? Ou dos que receberam direito a sair do presídio para infestar nossos semáforos e ruas para uma saidinha que não sabemos se terá volta? Muito difícil falar de segurança neste momento…
Em relação às vacina, são tantas as verdades, as inverdades e as mentiras que, por mais que estudemos e coloquemo-nos atentos, sofremos ligeiros vacilos (ou serão grandes vacilos) diante da realidade. Ficamos colocados entre a cruz e a espada: ou toma e vira jacaré ou não toma e morre ou toma mas não serve para nada. Afinal, falar o quê? No recheio deste bolo temos um governo que desacredita e faz piadas sobre tudo e todos, insuflando-nos contra a ciência e propondo uma vida desregrada em contramão a toda história de saúde pública da civilização. Poderia ser pior, este final de ano?
No nível das relações humanas, que posição tomamos? Não há respeito à nenhuma das diversidades, nem nunca houve. O que temos é uma grosseira tintura de direitos humanos que só beneficia uma minoria questionável, mas não apoia adequadamente à todas as ditas minorias. Verdadeiramente, os poderes beneficiam apenas aos que convém na situação. Vejamos que os assassinatos às mulheres, pelos seus companheiros, continuam crescendo e pipocando por todo país, em formatos cada vez mais violentos e trágicos. As perseguições à comunidade LGBT e demais são frequentes e de forma cada vez mais acentuada e grotesca e a perseguição aos negros não cessa e não regride. Que perspectiva de avanço podemos notar? Onde crescemos para o bem?
Será que estamos evoluindo? Existe sinal de melhora? Ou estamos cada um na sua vidinha, observando e não agindo, mas colocando-se à margem do processo civilizatório? O que temos aprendido com tamanha insensatez e tamanho desprezo com os humanos ao nosso redor? Será que aprendemos com a dor do próximo? Essa bendita palavra que virou modinha em 2020, a tal empatia, é algo vivido ou é algo falado? Liga a TV, ouve-se empatia. Põem na novela, ouve-se empatia. Abre-se um jornal ou revista, lê-se empatia. Numa roda de amigos, fala-se em empatia. Numa ligação ou numa live menciona-se a empatia. Mas cadê este abençoada empatia? Quem vive e sente o problema do outro? Onde? Quando? Como? Essa é outra que faz parte do socialmente correto; outra palavra da temporada, que não encontrará ancoro nem se fará atitude, porque não aprendemos nada com a pandemia. Falar o quê?
A educação e a saúde caminham a passos frouxos e sofridos. Professores ganhando cada vez menos e trabalhando cada vez mais; médicos, enfermeiros e auxiliares se desdobrando para salvar vidas daqueles que se despreocupam com suas próprias vidas. Escolas às moscas e hospitais sucateados. Pais cobrando mais dos professores mas dando menos pela educação de seus filhos; médicos e equipes de saúde se contaminando em meio a um caos social e a população, ao invés de se regrar, abusa para depois cobrar. Que cultura é essa? Para que tamanha sofrência se ninguém se preocupa com estas duas classes? Como vimos, os professores se reinventaram e foram elogiados no início do processo. Foram elogiados, mas a partir do momento que as crianças começaram a aborrecer os pais, estes se voltaram contra os docentes e voltaram a atacar, como antes faziam.
A família, que não controla seus filhos, não quer se responsabilizar pela má educação de seus pequenos (e de seus adolescentes, também), quando se fala em atitudes. O mesmo se dá na Saúde: o que adianta os profissionais da Saúde se desdobrarem se o povo prefere as raves, os pancadões e as baladas sem regras, sem máscaras e sem distanciamento? São profissionais da Saúde ou são semi-deuses? Que poder exercem entre a população? E mais: em especial com alguns deles sem visão científico-acadêmica, que avaliam vacinas e protocolos sem ter conhecimento profundo na causa. Isso promove o descaso e a insensatez que estamos vendo, em nosso meio.
De bom temos que alguns aprenderam e tentarão ensinar, se sobreviverem. Alguns se aproximaram, se doaram, se penitenciaram, se ajustaram e cresceram diante do contexto surreal. Não foram muitos perto da turba mas foram suficientes para fazer a diferença e afiançar que podemos ser melhores, quando queremos; ainda que seja difícil e quase inviável, podemos viver um certo isolamento social, se isso for benéfico para nosso grupo. Alguns aprenderam a usar da empatia para preservar a vida de outros e a sua e para ajudar mais do que ser ajudado. Foram os que tiveram e fizeram menos mi-mi-mi. Então, alguns mostraram que é possível ser racional, mesmo que as regras sejam irracionais e é possível ser humano, quando tudo aponta para a selvageria. Felizes estes alguns. Destes serão o novo tempo.
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E falar o que do próximo ano? Que 2021 nos traga mais destes e que possamos compreendê-los e segui-los, não messianicamente, mas racionalmente, para que aportemos em espaços mais seguros e agradáveis, diferentes dos vividos neste ano que termina. Tudo indica que devamos ter esperança e fé, também não messianicamente. Mas fé e esperança num mundo melhor que somente se perpetuará com uma raça humana melhor. É possível, sim.(Foto: cutewallpaper.org)
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Aluno da FATI.
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