As primeiras cenas faladas em mandarim já denunciam que, apesar do nome em português, o filme provavelmente não é completamente brasileiro. E não é mesmo. A diretora Nele Wohlatz é alemã e seus coprodutores são do Brasil, Argentina e Taiwan. “Foi a primeira vez que também tive de confiar nos tradutores da equipe já que muitas vezes não entendia o que os atores estavam falando”, comentou Nele na estreia do longa Dormir de Olhos Abertos na semana passada, na seção ‘Encounters’ do Festival de Cinema de Berlim.
A diversidade de línguas é uma das marcas também na tela, o mandarim, no entanto, predomina já que os personagens principais pertencem à comunidade chinesa que mora ou está de passagem pelo Recife.
A capital de Pernambuco é o principal cenário e foi escolhida principalmente por causa da sua arquitetura, revelou a diretora. “O desejo inicial era fazer um filme sobre pertencimento, podia ser filmado em qualquer lugar do mundo, procurava no entanto esses prédios altos, o concreto, que também dão uma ideia de anonimato”.
Boa parte do filme é passada nas “torres gêmeas”, prédio chique de Recife onde mora a tia de Xiao Xin (Chen Xiao Xin), chinesa que fala castelhano e depois de morar na Argentina vai visitar a tia comerciante e bem sucedida. A garota acaba também trabalhando para a tia, que tem uma equipe de chineses nem sempre legalizados, em condições quase de trabalho escravo. Este é um dos aspectos abordados nos noventa e sete minutos de duração.
Com ironia, sensibilidade, pitadas de humor e sutilezas em diálogos sobre as línguas, as diferenças culturais, a culinária, os brasileiros também são analisados pelos olhos dos gringos que estão tentando achar um espaço e se sentirem em casa no litoral pernambucano. Em diversos momentos há menções aos costumes como o carnaval, a farofa na comida, a caipirinha, o jeito de fazer amizade fácil, os furtos, os hábitos de consumo, a pernoite em um motel, o coletivo, a periferia.
No entanto isso é distribuído no enredo entre a história principal que é Xiao Xin escrevendo em postais velhos suas impressões que pretende então transformar em um livro sobre seus dias no Brasil, registrando a dura vida dos trabalhadores chineses, sua percepção dos sentimentos dela e dos outros conterrâneos na busca da identidade e de se acostumar com o estrangeiro.
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Coincidentemente tais cartões são encontrados por Kai (Lian Kai Ro), do Taiwan, turista que pretendia vir com o noivo argentino passear pelo Brasil, mas é abandonada por ele no aeroporto e resolve viajar sozinha. Com problemas no ar condicionado do apartamento onde está hospedada, Kai vai para uma rua cheia de comércio e pede um alicate emprestado para outro chinês, Fu Ang (Wang Shin-Hong), proprietário de uma loja de guarda-chuvas. Dias depois, ao voltar para devolver o alicate, Kai já não encontra Fu Ang, mas ganha a caixa com os cartões e a história de Xiao Xin.
Com atores amadores e profissionais no elenco, a diretora conta ainda que escolheu Pernambuco por causa dos bons profissionais brasileiros da área de cinema, o que ajudou a transformar o projeto numa babel de línguas, emoções e ideias para reflexões, garantindo também boas risadas.
Prêmios – O Festival de Cinema de Berlim terminou neste domingo(25). Os jurados Lisandra Alonso, Denis Côte e Tizza Covi, responsáveis pela distribuição da premiação da seção ‘Encounters’, agraciaram a diretora Juliana Rojas, de Campinas, pela melhor direção do filme Cidade, Campo.
Desta mesma seção a coprodução Dormir de Olhos Abertos, de Nele Wohlatz recebeu o prêmio da ‘Fédération Internationale de la Presse Cinématographique'(FIPRESCI).
O curta Lapso, da mineira Caroline Cavalcanti, teve uma menção honrosa do júri da seção ‘Generation 14plus’. (Atualizada às 8h30 de 26/02/24)
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SANDRA MEZZALIRA GOMES
Jornalista jundiaiense em cobertura especial para o Jundiaí Agora. Mora na Alemanha há duas décadas
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