GRAÇA ARANHA

graça aranha

Escrever sobre fatos reais, como curiosidades culturais, assemelha-se a recursos estilísticos usados quando o objetivo é prender a atenção do leitor. Neste texto sobre Graça Aranha não há intenção de abordar assuntos corriqueiros sobre sua vida, tipo: onde e quando nasceu ou nomes dos pais, porque essas informações são encontradas com facilidade. Porém, será importante saber que foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras; que participou da Semana da Arte Moderna, sendo o primeiro a discursar na abertura do tão famoso e questionado evento; que foi o único membro da ABL a ser empossado sem ter publicado um livro; que rompeu e se desligou da ABL, em 1924, com críticas muito fortes, tais como: “A fundação da Academia Brasileira de Letras foi um erro. Se a Academia se desvia do movimento regenerador, se a Academia não se renova, morra a Academia! Se fui incoerente entrando e permanecendo, separo-me da Academia por coerência!”.

Desligou-se porque suas ideias vanguardistas não condiziam com o conservadorismo da ABL; uma mostra disso foi sua participação na aberturada Semana da Arte Moderna, episódio que não agradou ao pessoal da retaguarda cultural.

Publicou vários livros; o primeiro foi “Canaã” que é, entre os críticos, o mais importante, tratando-se de um romance regionalista com valor documental. Formado em Direito no ano 1886, atuou, como juiz, no Fórum da atual cidade Santa Leopoldina, no Espírito Santo, em 1890.

Dois anos depois resolveu escrever um romance. Escolhe como personagem principal: a ré de um processo conduzido por ele mesmo, desenvolvendo toda a história trágica de uma moça imigrante pomerana.

Seu local de trabalho ficava a poucos metros do porto de Vitória, também no Espírito Santo, por onde desembarcavam os imigrantes vindos da Europa, de regiões como Pomerânia, Itália, Alemanha e outros. Sendo muito observador, crítico e analítico, muito à frente de seu tempo, Graça Aranha registrou a exploração dos imigrantes pelo governo brasileiro. Registrou, também, a desvalorização da mulher, que só servia para os trabalhos domésticos e para a perpetuação da família. A importância desse romance, como documento histórico, é que ele mostra a dificuldade de adaptação dos imigrantes no local onde só ensinavam o idioma alemão e se falava o português muito mal.

A língua falada pelos imigrantes também era motivo de preconceito; um dos personagens do livro diz:

-Há gente aqui, entrada há mais de 30 anos, que não fala uma palavra em ‘brasileiro’, é uma vergonha!

No entanto, conservar a língua de origem era uma arma para se defenderem das investidas de autoridades que lhes usurpavam os bens, tiravam-lhes o direito à cultura, à educação e à religião.

No capítulo V, do livro “Canaã”, o autor descreve a cena em que a comunidade se alegra porque haverá uma festa na Igreja Luterana, onde acontecerá o encontro das famílias, quando todos se sentirão livres como pássaros libertos de suas prisões. A descrição detalhada, feita por Graça Aranha, parece uma foto do final do século XIX, de tão perfeita.

Nas proximidades dessa igreja, se localizava a casa da família que abrigava a personalidade da história: Guilhermina Lubke, nome real; Maria Perutz no romance “Canaã”. Sendo órfã de pai e mãe, Maria Perutz trabalhava como criada na casa de Augusto Kraus, que a acolheu. Aconteceu um romance entre ela e Moritz, neto de Augusto, porém a família não aprovou a união e ela já estava grávida. Augusto Kraus faleceu repentinamente. A família expulsou Maria porque a gravidez não pôde mais ser encoberta. Ela parte sem rumo pela estrada à procura de um abrigo. Acreditando encontrar apoio na casa do pastor, enganou-se. Após ouvir lições moralistas dele, da esposa e da irmã, segue desesperada. Não pôde contar com a ajuda de outras mulheres porque era uma época patriarcal e elas temiam sofrer consequências.
Um imigrante de nome Milkau que a conheceu,apiedou-se dela e arranjou-lhe abrigo, em troca de trabalho, na casa de uns colonos que a maltratavam.

Maria, trabalhando no meio do cafezal, sentiu as dores do parto como violentas punhaladas no ventre. Nas piores condições, o bebê nasceu, ela extenuada, desfaleceu. Os porcos que por ali viviam soltos sentiram o cheiro de sangue e vieram rápido. Às primeiras dentadas, o bebê gritou, ela acordou, mas já viu o filho estraçalhado pelos porcos. Dois dias depois, estava na cadeia de Cachoeiro, acusada de matar o filho, jogando-o aos porcos.

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O processo penal é conduzido pelo juiz José Pereira da Graça Aranha, em agosto de 1890. Consta nos autos que a ré chama-se Guilhermina Lubke, ter 23 anos, não saber ler e nem escrever, ser órfã de pai e mãe e natural da Pomerânia. As filhas do patrão, que encontraram o bebê estraçalhado, depõem contra ela, dizendo que ela jogara o bebê aos porcos. Maria é condenada, sem o juiz nada poder fazer, visto as testemunhas terem sido serem convincentes.

Milkau, o amigo, a retira da prisão e fogem juntos à procura de Canaã, a terra prometida.

O livro é intenso, mostrando uma realidade do século XIX que, talvez, perdure até hoje.

Romance contundente que prende a atenção do leitor desde a primeira linha até a última. Graça Aranha colocou muita emoção nessa obra que é, realmente, um documento histórico.(Foto: academiafriburguensedeletras)

JÚLIA FERNANDES HEIMANN

É escritora e poetisa. Tem 10 livros publicados. Pertence á Academia Jundiaiense de Letras, á Academia Feminina de Letras e Artes, ao Grêmio Cultural Prof. Pedro Fávaro e á Academia Louveirense de Letras. Professora de Literatura no CRIJU.

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