Quais são as suas GUERRAS?

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Guerras em curso, genocídio, precipitação de conflitos de potência nuclear, feminicídios em ascensão, violências raciais, crimes de homofobia, invalidações de refugiados, fome, doenças, sofrimentos os mais diversos atingindo milhares e milhares de seres humanos agora, neste exato momento em que redijo e você lê estas palavras tentando, como eu, encontrar algo de novo a pensar – e a fazer com toda essa revolta silenciosa.

Ao mesmo tempo, vivemos nossas batalhas cotidianas. Elas exigem de nós, e não da ONU, ações concretas. Lidar ou não com essas guerras é uma escolha com efeitos que podem ser devastadores, mesmo em nosso microcosmo.   

Preocupações genuínas, de ordem prática, financeira, de tomadas de decisões que afetam outras pessoas, questões de trabalho e de família, batalhas judiciais, contas, impostos, seguros, consultas, exames, orçamentos, tabelas, listas, provas, planos, telas, respostas… Outras, de ordem menos prática, consomem reservas emocionais: relacionamentos difíceis, conversas (internas) profundas, filhos em vulnerabilidade, pais perdendo vitalidade, climatério, menopausa, andropausa, solidão, dores, depressão, uma doença de supetão, a morte. A tristeza de um balão que cai. O medo de uma bomba nuclear.

Onde estamos nós nesse turbilhão? Onde estão os nós a serem desatados? Qual é a gravata que aperta o seu pescoço? No macro e no micro, estamos ficando sem fôlego. Especialmente aqueles que conseguem olhar além da dificuldade (e da arte) de dar nós em sua própria gravata e em desatá-los (repetidamente) sabem e sentem que as coisas estão de mal a pior ao nosso redor. A angústia interna conversa em silêncio com a angústia externa e o que se expõem são meros sorrisos e formalidades.

Kafka, certa vez, escreveu em seu diário:  “2 de Agosto de 1914: Hoje, a Alemanha declarou guerra à Rússia. À tarde, fui nadar.” 

O que podia Kafka fazer sobre esse triste episódio? Seguir sua vida. Não, ele não estava alheio ou alienado. Preocupado, certamente. Mas ao alcance de seus braços e pernas o que lhe restava? Seguir o que, para ele, era necessário ser feito. Nós, aqui, podemos olhar as notícias no celular numa tarde ensolarada de domingo e comentar com quem parou ao lado: “Os EUA bombardearam o Irã, e agora essa guerra vai eclodir… Estamos prestes a assistir a mais uma catástrofe… Veja, a quadrilha do meu filho vai começar!”. Uma preocupação mundial não anula um acontecimento íntimo. Porém, há uma culpa básica sempre à espreita: como posso estar levando a vida tão normalmente enquanto acontece um genocídio em Gaza?

Há quem opte por não saber mais das notícias – aliena-se (e isenta-se) em seu mundo e culpa o mundo (que também é seu) e todos nele por tamanhas injustiças. Há quem veja as manchetes e vomite opiniões fáceis de zap, arrotando arrogâncias e culpando os que não são da sua bolha. Há quem se informe, pois se compreende cidadão deste mundo, pois sabe que ter informação é essencial e, como se não bastasse o que lê, sabe que as notícias também podem ser tendenciosas assim como um artigo de opinião: é preciso discernir os vieses das informações. Tudo é muito, muito cansativo para os não alienados – aqueles que lutam pela não normalização das violências e consideram as idiossincrasias da vida.

Sabemos que é preciso encontrar um equilíbrio sem que as angústias internas e externas nos afetem a ponto de também nos adoecer. Complicado. Mas vale respirar e pensar no que escreveu Guimarães Rosa sobre as alegrias: elas acontecem em raros momentos de distração.

Ah! Mas quem é que se distrai sem olhar para uma tela nos dias de hoje? Elas nos distraem, sim, mas preenchem  nossos vazios com mais vazios. É um excesso de estímulos efêmeros e alienantes… Raso, largo e profundo esse buraco em que nos metemos…

Mas voltando a Guimarães, às pequenas alegrias e às distrações. Às não pressões. Às não culpas e aos momentos de contemplação e amadas companhias: cuidar do micro é uma forma de apaziguar o macro, pelo menos nas folgas e no fundo dos nossos corações.

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Saber-se do mundo, ver-se no sofrimento alheio, desejar que as guerras cessem e falar sobre isso genuinamente são resultados de construções subjetivas que nos ajudam a cuidar melhor do nosso próprio jardim, a olhar com atenção para uma pessoa necessitada e sua necessidade, a sermos mais pacientes e pacíficos conosco mesmos, com todos os nossos conflitos e angústias.

Que estejamos no front de nossas guerras internas e nos posicionemos perante o medo que nos causam as suas consequências, e perante o mundo que nos convoca a ser sujeitos – não sujeitados.(Foto: Gemini)

TATIANA ROSA

É psicóloga, pós-graduanda em clínica psicanalítica; pedagoga e jornalista. E-mail: rosa.ta@gmail.com , Instagram: @tati_psico

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