Como nos assustamos e nos perturbamos diante de crises, sejam lá as crises que forem: crises pessoais, crises matrimoniais, crises, afetivas, crises profissionais, crises de saúde, familiares, do condomínio, dos amigos, enfim, crises. E, se já não bastasse o turbilhão em que nós, brasileiros, estamos imersos, ainda somos presenteados com uma crise da magnitude da que nos é proposta pela Rússia e Ucrânia. E não é coisa pequena. Nem é coisa irrelevante: impacta a Vida de todos, estejamos em que parte do Mundo estejamos, pois fazemos parte de uma mesma humanidade. Qual sua impressão sobre esse mundo atual?
Percebo que falar assim, soa vazio, pois não é compreensível por todos, uma vez que alguns são incapazes de enxergar além do próprio umbigo. Enquanto houver praia, samba e cerveja, tudo estará na boa e velha zona de conforto. Ainda que falem o contrário, desconhecem a dor humanitária e as vazões a que estamos sujeitos, quando pegos na possibilidade de, verdadeiramente, exercermos a empatia. Grande momento para esbanjar emoções empáticas pelos que sofrem uma dor da qual não temos ideia nem dimensão.
De uma maneira assustadora vemos que uma dor cobre a outra, pois não se fala mais em Petrópolis, como se nossa cidade imperial já estivesse reconstruída e seus mortos não significassem muito. Triste memória pouco (ou nada) empática. As mãozinhas em oração e os “posts” de luto já mudaram o endereço e já estão voltados à outra tragédia; mudança radical, mas bem conhecida das pessoas observadoras e que percebem a fluidez com que nos colocamos socialmente: às vezes de maneira dissimulada, às vezes de modo fantasioso, às vezes de forma superficial e, até, às vezes, verdadeiramente.
Esta sintomatologia é essencial para notarmos a nossa própria sintonia com nosso contexto e com nosso nível de valores, diante das situações a que estamos expostos ou que somos causadores, ainda que não reconheçamos. A sintonia com o contexto vai nos mostrar o quanto estamos inseridos em nosso meio ambiente e em suas relações internas; o nível de valores vai nos orientar diante de frouxidões ou de intransigências que podem alterar as relações humanas e mudar as atitudes com pessoas que nos cercam e as situações…bem estas vão possibilitar a percepção de que não somos aquele “alecrim dourado, que nasceu sem ser semeado”, dando-nos a real grandeza (ou não) de nosso caráter.
De uma maneira geral, a impressão que se tem é que o mundo resolveu se aglutinar em grupos, comunidades ou facções de onde se assume uma característica ou personalidade grupal que valida certos feitos ou propostas e que, nesses aglomerados humanos, desenvolve antipatia e até ódio a algumas situações ou pessoas que não se afinam com a ideologia grupal. Até ai, nada muito errado. O abuso está em desencadear uma massa populacional contra suposições infundadas e desorganizadas, que são espalhadas pelas redes sociais, com fundamentação “fake” e sem uma articulação inteligente.
Claro está que, mesmo sendo mal orquestrado, o estrago é tremendo e aquela parte da população que não tem nenhum compromisso com a verdade nem com a seriedade das coisas, sem opinião própria, adere ao movimento, pelo barulho que ele faz ou pela impressão que causa. Temos ai, nesse exato momento, a formação de grupos opostos que se envolvem em pelejas e até brigas corporais, de maneira irracional, num perfeito confronto entre fracos e fortes, na busca de uma seleção natural. Não aquela do Darwin, mas a dos descabeçados.
Assisti a chegada dos jogadores brasileiros que estavam na Ucrânia e me surpreendi com a desenvoltura com que falavam: bem claros, objetivos e entendedores da situação local (da Ucrânia) e mundial. Mas as esposas, que lástima: falavam como celebridades. Algumas descrições beiravam ao surreal (como comer caroço de maçã como alimentação de dois dias). A impressão que se tem é que são pessoas que viveram experiências diferentes e que não conseguem perceber o elo de conexão entre elas. Talvez, arrisco e ouso em falar, seja o conflito cultural que possibilite isso. Talvez.
E por falar em cultura, dentro do conceito de que tudo é cultura, até posso crer que temos cultura e Cultura. O bom e velho exemplo da Nidelcoff, que a rainha da Inglaterra e um africano são cultos, em seus ambientes, já me basta para fazer enquadramentos pessoais, entretanto, honestidade, fidelidade, fraternidade, caridade e responsabilidade são traços que definem homens e suas condutas. São essenciais numa convivência culta e harmoniosa. Poderíamos dizer: numa vida social sadia. Ainda que a ordem das coisas esteja estranha e cada dia mais diluída.
Percebemos que a luta contra emoções difíceis não é privilégio de poucos: estes bravos guerreiros não estão sozinhos. Convivemos com várias pessoas depressivas, ansiosas, agressivas, sofridas que não detonam o contexto social onde habitam, avançam, de forma resiliente, em busca de um equilíbrio e, desta forma, revelam sua verdadeira capacidade de amar e de alegrar a vida (a sua e a de outros). O aumento indiscriminado do uso do álcool e das demais outras drogas apenas acentua que a ordem está, sim, esgarçada, e que o homem está num conflito interno constante.
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TEMPORALIDADE OU INCONSEQUÊNCIA
Ao tomarmos conhecimento do aumento das drogas e da facilidade em adquiri-las, percebemos que o mundo digital tem sua colaboração nesta etapa do desenvolvimento do homem: a ansiedade e a fugacidade dos meios digitais, a fluidez as relações humanas, as facilitações das compras de drogas e as novas versões delas são expostas, visíveis e consumidas em rede. Parece-me que chamam a isso de comportamentos pós-modernos. Pessoalmente teria outro nome. Mas a fugacidade é responsável pelo estado de angústia que nos assola e pelos distanciamentos sociais em que vivemos. Afinal, de onde tirar resistência para tamanhas emoções? E você? Qual é a impressão que tem deste mundo?

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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