INCUMBÊNCIAS

Incumbências, para viver de verdade, é também notar o que afeta o outro que prossegue com espaços vazios onde, sem menos que se espere, pode tropeçar e cair.

Tenho um lado de “O Vendedor de Sonhos”, de Milton Nascimento e Fernando Brant: Vendedor de sonhos/ tenho a profissão viajante/ de caixeiro que traz na bagagem/ repertório de vida e canções/ e de esperança/ mais teimoso que uma criança/ eu invado os quartos, a salas/ as janelas e os corações…

Trago nos meus pertences a história de inúmeros que estiveram por mais ou menos tempo comigo. Esse desejo de me dizerem sobre suas dores, desafios, vitórias, penso que vem pelo olhar e pela vivência de ser escutada em especial por nossos pais. Sei que ser ouvida desde a infância é de acréscimo no desenvolvimento. Nem todos, infelizmente, possuíram ou possuem essa possibilidade.

Recordo-me de um desconhecido, de garrafa na mão com um navio dentro, montado por ele em um presídio qualquer, que me abordou em 1969, para me dizer que “navegava” em busca da família que não assumira. Escutei seus desencantos, mas imaginei também os desconcertos que poderiam carregar os filhos do ausente. É comum as pessoas procurarem suas raízes e quererem saber de ramagens com flores. Não me pediu coisa alguma, apenas quis contar que estava em busca.

Reflito sobre os “desastres” provocados pelas pessoas que não cumprem suas incumbências na sociedade, desde em sua família.

O fracasso do papel de tantos na sociedade vem do poder sem ser serviço que chegue, em especial, aos mais fragilizados, além da ganância. Vem da falta de um coração com sensibilidade para constatar a agonia do próximo. Abrem-se crateras para os empobrecidos, sem preparação educacional com qualidade, sem vaga de emprego…

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Há gente, originária da pobreza, ou da falta de sentido em sua vida, que acaba por esconder suas angústias, sem expectativa de resolvê-las, atrás do alcoolismo, do uso de drogas ilícitas…Dessa forma, provoca o vácuo de seu papel no grupo familiar a que pertence. Esquece suas incumbências. Torna-se moradora ou morador das ruas empoeiradas na crença de que nada acrescenta ou se isola em cantos de seu habitat. Os seus, no entanto, têm carência de seus ombros e, ao não encontrá-la(o), podem buscar a autodestruição. Fico com muita pena!

Permaneço, no entanto, no quase nada que posso, trazendo, em minha bagagem, colo, fé e esperança para entregar às pessoas dos fatos que ouço.

MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE

Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de risco.

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