Jundiaí Hoje: “Assumimos a oposição ao regime militar”, lembra jornalista

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Apesar de ter circulado apenas três anos – entre 1981 e 1983 – o jornal Jundiaí Hoje marcou a imprensa local. O diário tinha linguagem moderna e abordagem corajosa de temas locais e nacionais, nos anos em que o Brasil ainda vivia sob uma ditadura militar. Mais de 40 anos depois da última edição, o jornalista Carlos Motta, integrante daquela redação, lançou o e-book “Pequeno, Pobre, Valente – a História do Jundiaí Hoje Contada Pelos seus Jornalistas”, que reúne artigos de Adilson Freddo, Ari Vicentini, Dagoberto Azzoni, Decio Viotto, Denilson Azzoni, Flavio Gut, Jamilson Tonolli, José Arnaldo de Oliveira, Liliana Akstein, Rosely Akstein e do próprio Motta(foto ao lado e foto principal). Todos trabalharam no jornal. O Jundiaí Agora conversou com Motta, que começou na redação do Jornal da Cidade quando tinha 16 anos, quando ainda cursava o antigo colegial do Instituto de Educação, hoje EE Bispo Dom Gabriel Paulo Bueno Couto, na rua do Retiro. O jornalista trabalhou também no extinto Diário de Jundiaí, Jornal de Jundiaí, Jornal de Domingo (Campinas), Jornal da Tarde, revista Afinal, Estadão e Valor Econômico. Aos 71 anos, ele mora em Serra Negra onde mantém, junto com a jornalista Salete Silva, o portal noticioso Viva! Serra Negra.

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O senhor foi o dono do Jundiaí Hoje?

O Jundiaí Hoje não tinha um dono. Explico: poucos meses depois que foi lançado, em 1981, o jornal sofreu a sua primeira crise financeira. Eu era, então, contratado pela CLT, com o cargo de redator-chefe. Para sobrevivermos, decidimos transformar a empresa numa Sociedade Anônima, cujos acionistas seriam os próprios jornalistas. Não me lembro exatamente como foi a divisão, mas o Sandro Vaia e o Sergio Rondino eram os que tinham mais ações entre todos, seguidos por mim e pelo Ademir Fernandes. O restante foi dividido pela equipe que formava a redação do jornal.

Como foi montar e colocar na rua o Jundiaí Hoje?

O Jundiaí Hoje foi a continuação do Jornal de 2ª, semanário tabloide que circulou, se não me engano, três anos. O pessoal da redação do Jundiai Hoje era praticamente o mesmo do Jornal de 2ª. Acho que o único contratado para o diário fui eu, a convite do Sandro Vaia – eu estava, na ocasião, dirigindo a redação do Jornal de Domingo, um semanário gratuito de Campinas. Não fizemos número zero, acho que a concepção do jornal já estava na cabeça de todos, queríamos um diário com linguagem visual e jornalística moderna, sem nos preocuparmos com implicações de ordem comercial e com uma marca bem definida de oposição à ditadura militar que governava o país. Fomos em frente, como se diz, com a cara e a coragem. Tínhamos a esperança de que se fizéssemos um bom produto, conseguiríamos nosso espaço no mercado jundiaiense, e dessa forma, sobreviver e, quem sabe, crescer.

O senhor diz que era um jornal ‘pequeno e pobre’. Quais dificuldades enfrentou?

Pequeno, porque era um tabloide, formato inusual para um diário. Pobre, porque realmente éramos pobres, descapitalizados, com um carro de reportagem caindo aos pedaços, apenas uma máquina fotográfica, máquinas de escrever velhas… As dificuldades eram, então, de ordem material. O dinheiro que entrava, de assinaturas, vendas em banca e publicidade, mal e mal dava para cobrir as despesas, mas íamos aguentando, muitos de nós – eu, inclusive – com sacrifício pessoal, torrando a poupança para pagar contas… 

Quem eram os concorrentes?

Nossos concorrentes eram o Jornal da Cidade e o Jornal de Jundiaí. Naquela época, o Jornal da Cidade estava numa situação melhor que o Jornal de Jundiaí, e nós estavamos crescendo nas bancas e assinaturas.

O senhor também diz que era ‘valente’. O que diferenciava o JH da imprensa tradicional?

Acho que por duas razões. A primeira: como era um jornal de jornalistas, não sofríamos pressões do patrão por razões comerciais e, dessa forma, publicávamos o que achávamos importante para a cidade. A segunda: éramos oposição ao regime militar que governava o país. Fazíamos questão de assumir essa posição, nos nossos editoriais e nos artigos de nossos colunistas. Naquela época, era bem mais cômodo ser situação, principalmente numa cidade conservadora como a Jundiaí de então.

Qual era a tiragem? Era considerada boa?

A tiragem foi crescendo ao longo dos três anos de existência do jornal. Acho que no fim estávamos perto dos 7 mil exemplares diários, entre carteira de assinantes e venda em banca. Se me lembro, estávamos na cola do Jornal de Jundiaí, perto de ultrapassá-lo.

Por ser valente, envolveu-se em muitas polêmicas? Bateu de frente com os poderosos da época? Sofreu muitas pressões e processos?

Não me recordo de grandes polêmicas. Mas a cobertura da política local era um dos nossos pontos fortes. O Decio Viotto não perdia uma sessão da Câmara Municipal, não ficava só na descrição dos projetos votados, mas investia nos bastidores, naquilo que realmente era notícia. E os vereadores, lógico, não queriam que o público soubesse o que se passava detrás das cortinas. Lembro que certa vez houve um dos edis tentou – ou conseguiu – agredir o Decio por causa de uma matéria que ele fez. Não sofremos processos de ninguém porque fazíamos o que manda o bom jornalismo – ouvir os dois lados, não inventar notícias, interpretar os fatos de maneira coerente, não partir para ataques pessoais…

Por que o jornal acabou?

A impressora que rodava o jornal não era nossa. Era emprestada da Astra, empresa cujo dono, Francisco de Assis Oliva, foi um dos fundadores do Jornal de 2ª. Ele não cobrava pelo uso da máquina. Era uma impressora off set plana, lenta, que só rodava tabloide, mas que servia para as nossas necessidades. Porém, certo dia, recebemos a notícia de que a Astra tinha vendido a máquina, sem ao menos nos dar a opção de comprá-la. Ficamos sem chão… Tentamos de todas as maneiras arranjar uma impressora, tentamos empréstimos bancários, falamos até com um agiota, conversamos com empresários, políticos, com deus e todo o mundo. E não conseguimos nada. Nem aquele pessoal que, de certo modo, foi ajudado pelo Jundiaí Hoje, como o ex-deputado e prefeito André Benassi, então no MDB, um dos partidos que fazia oposição ao governo federal, nos deu a mão. Resistimos o quanto pudemos, mas em determinado momento, jogamos a toalha, e fechamos o botequim. Daí em diante foram anos pagando as contas dos funcionários, do INSS…

Hoje, olhando para trás, considera o JH uma utopia que deu certo?

Como negócio, claro que não. Mas pelo menos para mim, aquele foi o meu melhor período profissional, anos nos quais senti como nunca antes e depois o que é o jornalismo, a sua importância numa sociedade democrática e para o próprio desenvolvimento pessoal. Convivi, aprendi e troquei experiências com profissionais do quilate de um Sandro Vaia, Ademir Fernandes, Decio Viotto, José Maurício dos Santos, Gutemberg de Souza, Adilson Freddo, Jamilson Tonolli, Dagoberto Azzoni, Denilson Azzoni, Paulinho Batista, José Arnaldo de Oliveira, Kazuo Inoue, Decio Denardi, Ari Vicentini, Rosely Akstein, Leda Cassins, Sandra Boldrini e sei lá quantos mais. E conheci a Liliana Akstein, com quem convivo há quase 40 anos.

Acompanha os jornais de Jundiaí atualmente? Qual avaliação faz?

Acompanho muito pouco a imprensa jundiaiense de hoje. Mas o pouco que leio, algumas edições do Jornal de Jundiaí quando visito parentes na cidade, me dá a impressão de que está faltando alguma coisa, aquela chama que o jornalismo carrega para iluminar a ignorância, a estupidez, a burrice, a intolerância que a gente vê em grande parcela da sociedade brasileira. O jornalismo não deve se curvar aos interesses dos donos do dinheiro, dos chefões políticos. A meu ver, o jornalismo deve ser a voz dos humildes, daqueles que por serem tão explorados, não têm voz própria.

A imprensa, de modo geral, está cumprindo bem seu papel? Aliás, qual é o futuro da imprensa com internet e IA?

A chamada “grande imprensa”, ou imprensa corporativa, cumpre hoje o papel que historicamente vem cumprindo há muito tempo: preservar os privilégios das classes dominantes. Não por acaso, meia dúzia de famílias dominam o mercado jornalístico brasileiro, defendendo, ferrenhamente, os endinheirados. Essa “grande imprensa” é reacionária, diria quase escravagista, na medida que manipula informações na defesa do mercado financeiro, dos especuladores, do grande capital, dos latifundiários, enfim, daqueles que pretendem manter o país dividido em castas, sem nenhuma mobilidade social, numa eterna dicotomia casa grande-senzala. Quanto ao futuro da imprensa, não creio que a internet, essa ferramenta maravilhosa à disposição do desenvolvimento do ser humano, vá melhorar a qualidade do que se produz. Ao contrário, já vemos que a própria percepção do que é notícia mudou com a internet – hoje, qualquer um que filma algo se julga jornalista, qualquer sujeito sem qualificação se mete a entrevistar outras pessoas igualmente sem nenhuma qualificação… Os tais “influencers” e “youtubers” pululam e poluem o ambiente digital, confundindo as pessoas comuns, que acham que aquilo que assistem é jornalismo. A Inteligência Artificial é outra ferramenta poderosíssima a serviço do homem, que tanto como a internet, pode ser usada para o bem ou para o mal. Gostaria de ser otimista em relação ao futuro da imprensa com tantas mudanças em curso, mas confesso, tenho lá minhas dúvidas sobre se o fato prevalecerá sobre as chamadas “fake news”.

Haveria espaço para um Jundiaí Hoje atualmente?

Sim, certamente. Apesar de tudo, há muitas pessoas em Jundiaí, no Brasil e no mundo com capacidade cognitiva suficiente para distinguir um boato, uma fofoca, de uma notícia. O Jundiaí Hoje procurava fazer jornalismo e, mesmo naquela cidade provinciana de 40 anos atrás, encontrava uma boa quantidade de leitores que procurava exatamente o que publicávamos.

Por que decidiu produzir este e-book?

Eu tive a ideia de fazê-lo porque julguei que relembrar, mesmo que de uma maneira impressionista, emocional até, a história do Jundiaí Hoje, seria uma forma de reviver uma experiência que julgo que foi importante para a imprensa jundiaiense e para um grupo de pessoas que se tornaram excelentes profissionais. Eu acho que o brasileiro, de forma geral, liga pouco para o passado. Jundiaí, é bom lembrar, tem uma tradição jornalística muito forte. Talvez as pessoas não saibam disso, mas a cidade formou e espalhou para o Brasil dezenas de profissionais que se destacaram em diversos veículos de imprensa. Na redação do Jornal da Tarde, por exemplo, um símbolo da modernidade da imprensa brasileira, havia três grupos que se sobressaíam, pela quantidade e qualidade: os gaúchos, os mineiros e os jundiaienses. Os textos do pessoal que trabalhou na redação do Jundiaí Hoje, que formam de fato o e-book, são para mim não só um relato de um período da vida de cada um, mas um pedaço da história do jornalismo jundiaiense.

Os artigos que compõem o livro foram escritos por feras. Além da curiosidade histórica, os textos também seriam de interesse dos jornalistas que ainda atuam, estudantes e professores da área?

Creio que sim. Ao ler os artigos acho que fica a sensação de que eles não só contam uma história, mas definem o caráter de seus autores. São importantes como exemplos de um tipo de imprensa que pouco se vê atualmente, uma imprensa muito mais preocupada em defender uma sociedade verdadeiramente democrática do que em obter “cliques” vazios, participar de negociatas escusas ou ajudar a manter um status quo perverso para a maioria da população. Os textos são pequenas e essenciais lições de ética…

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