O Brasil é um país marcado pela diversidade religiosa, resultado de uma longa história de sincretismo e convivência entre diferentes tradições. Entre as religiões que ocupam um espaço singular no cenário religioso brasileiro estão o Kardecismo, a Umbanda e o Candomblé.
Essas três correntes espirituais, apesar de amplamente praticadas, sofrem com o desconhecimento, o preconceito e a invisibilidade na cultura brasileira. Este artigo busca analisar como esses fatores impactam a percepção dessas religiões no Brasil, explorando a relação entre religiosidade, cultura e preconceito estrutural.
O desconhecimento sobre o Kardecismo, a Umbanda e o Candomblé é um dos principais fatores que perpetua o preconceito e a discriminação contra essas tradições religiosas. Muitas pessoas no Brasil ainda não compreendem os princípios e as práticas dessas religiões, o que gera distorções e estigmatizações.
O Kardecismo, baseado nos ensinamentos de Allan Kardec, por exemplo, é frequentemente confundido com práticas ocultistas ou mistificado como algo esotérico. Contudo, o espiritismo kardecista é uma doutrina filosófica e religiosa que prega a reencarnação, o aprimoramento moral e a comunicação entre vivos e mortos.
No entanto, essa visão muitas vezes é ignorada ou caricaturada no imaginário popular, devido à falta de educação religiosa e de uma compreensão mais profunda do que o espiritismo representa.
A Umbanda, religião tipicamente brasileira, que combina elementos do catolicismo, espiritismo, religiões indígenas e africanas, também é alvo de grande desconhecimento. Muitas vezes, a Umbanda é erroneamente associada à magia negra ou a práticas maliciosas, quando, na verdade, suas raízes estão no culto aos orixás e na busca pela elevação espiritual, com forte ênfase na caridade e na ajuda ao próximo.
O Candomblé, por sua vez, uma religião de matriz africana, é frequentemente associado ao exotismo e ao primitivismo no imaginário brasileiro. Grande parte da população desconhece que o Candomblé não é apenas um sistema religioso, mas também uma manifestação cultural e identitária para as comunidades afro-brasileiras.
A falta de conhecimento sobre os ritos, mitologias e complexidades dessa religião alimenta a marginalização e reforça estereótipos negativos. Mesmo sem conhecimento, algumas religiões repudiam outras cujo conhecimento não se processou e o preconceito cresce a passos largos.
O preconceito religioso no Brasil tem raízes profundas no racismo e na colonização. As religiões de matriz africana, em especial a Umbanda e o Candomblé, são frequentemente alvos de discriminação por estarem associadas às culturas negras.
Esse preconceito é reforçado por séculos de dominação cultural europeia e cristã, que relegaram as práticas religiosas de origem africana a uma posição subalterna na sociedade.
O racismo religioso se manifesta de diversas formas, desde a ridicularização até a violência física e simbólica contra praticantes de Umbanda e Candomblé. Muitas vezes, terreiros são atacados, lideranças religiosas são ameaçadas, e a prática pública dessas religiões é suprimida.
A intolerância contra essas religiões está diretamente ligada à estrutura racista que vê as manifestações culturais africanas como inferiores ou como “não civilizadas”.
A construção do imaginário negativo em torno da Umbanda e do Candomblé também é perpetuada pelos meios de comunicação, que frequentemente retratam essas religiões de maneira estereotipada, associando-as a práticas ilícitas ou místicas.
Filmes, novelas e programas de televisão raramente exploram essas religiões com a profundidade e o respeito que merecem, contribuindo para a perpetuação de mitos e preconceitos.
Além do preconceito e do desconhecimento, essas tradições religiosas sofrem com a invisibilidade cultural, uma questão estrutural que impede a plena inserção dessas religiões no espaço público e no reconhecimento cultural nacional. No Brasil, onde o catolicismo e o protestantismo têm grande influência, religiões como o Kardecismo, a Umbanda e o Candomblé são frequentemente relegadas às margens da sociedade.
Essa invisibilidade se manifesta em diversas esferas. No campo educacional, por exemplo, pouco se fala sobre essas religiões nas escolas, e quando se aborda a religiosidade, há uma predominância da visão cristã.
Isso reforça a ideia de que essas práticas religiosas não fazem parte da “cultura oficial” do país, criando uma lacuna de reconhecimento e respeito. A invisibilidade também está presente no campo político.
Embora o Brasil seja um Estado laico, a presença de religiões afro-brasileiras e do espiritismo nos espaços de poder é limitada. Além disso, políticas públicas voltadas para a preservação e valorização dessas tradições culturais e religiosas são escassas. Isso perpetua a marginalização dessas religiões, impedindo que elas sejam vistas como parte integrante do patrimônio cultural e espiritual do Brasil.
Apesar do preconceito e da invisibilidade, a resistência dessas religiões é notável. O sincretismo religioso é uma característica marcante da cultura brasileira, e tanto a Umbanda quanto o Candomblé foram capazes de adaptar-se e resistir à repressão através da mistura com elementos do catolicismo e de outras tradições religiosas.
Essa adaptação, embora tenha permitido a sobrevivência dessas práticas, também criou tensões em torno da autenticidade e da pureza religiosa. O sincretismo é, ao mesmo tempo, uma forma de resistência e de afirmação cultural.
Em muitos casos, o sincretismo foi uma estratégia usada pelos africanos escravizados para manter suas crenças em meio à repressão religiosa imposta pelos colonizadores. No entanto, o sincretismo também gera debates internos nas comunidades religiosas sobre até que ponto essas práticas mantêm sua identidade original ou foram modificadas pelas influências externas.
O desconhecimento, o preconceito e a invisibilidade das religiões como o Kardecismo, a Umbanda e o Candomblé na cultura brasileira revelam a complexidade da relação entre religiosidade e identidade cultural no Brasil. Essas religiões enfrentam desafios em termos de aceitação social e reconhecimento, embora desempenhem um papel vital na vida espiritual de milhões de brasileiros.
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Superar o preconceito e promover o conhecimento sobre essas tradições é fundamental para garantir uma sociedade mais inclusiva e plural. É preciso que o Brasil reconheça a riqueza cultural e espiritual dessas religiões, não apenas como manifestações religiosas, mas como parte integrante da identidade nacional.
A promoção de uma educação religiosa plural e a valorização de tradições como o Kardecismo, Umbanda e Candomblé em espaços públicos são passos essenciais para combater a intolerância e garantir o respeito a todas as formas de expressão religiosa.(Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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