Hoje volto ao tempo de minha faculdade. Segundo ano. Aulas de anatomia. Grande parte teórica. Estávamos ansiosos para a vivência prática, para conhecermos os cadáveres e órgãos que nadavam no formol. Alguns de nós estavam eufóricos. Outros quase em pânico. Como farei para tocar os objetos de estudo? Vou mesmo pôr as mãos nos mortos? Confesso que a ideia não me agradava muito. Mas, precisava viver aquela experiência. Meus irmãos são veterinários. Falei para eles: “tenho que tocar nas peças”. Sentia um arrepio só de pensar. Irmãos, conversa, café e boa vontade resolvem qualquer problema. Houve a proposta da luva cirúrgica. Isso manteria minha sensibilidade nos dedos, sem me machucar com o formol. A experiência também não seria tão real. A ideia parecia boa, mas eu teria alguma perda.
Finalmente chegou o dia…
Colocamos luva cirúrgica em apenas uma das mãos. Como “enxergo” melhor com a mão esquerda enluvamos a direita, que devidamente protegida faria o primeiro ataque. Isso me daria uma visão razoável do órgão ou parte de cadáver que estivesse tocando. Se me sentisse seguro poderia usar a mão esquerda sem luva. Caso meu lado patife vencesse faria um pequeno recuo discreto.
João colocou talco em meu braço. Eu e meus irmãos estávamos tão inflamados com o projeto que me senti como um guerreiro, vestindo armadura a caminho das Cruzadas.
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O cheiro do formol. O conflito de emoções minhas e dos colegas. A inevitável contemplação da morte e de nossa própria finitude nos colocaram em grande excitação. Deu certo. Pude tocar as peças completamente à vontade. A mão direita explorava. A esquerda refinava a percepção. O coração explodia. O cérebro organizava. A alma? Essa ficaria marcada de forma indelével pelo companheirismo e carinho dos irmãos e dos colegas de turma que a vida me compeliu a chamar de amigos.(Foto: Freepik)

JOSÉ AUGUSTO DE OLIVEIRA
Formado em Psicologia na Universidade São Francisco (USF) e Psicanálise pelo IPCAMP(Instituto de Psicanálise de Campinas). Atua no AMI (Ambulatório de Moléstias Infecciosas da Prefeitura de Jundiaí) e em consultório particular. WhattsApp: (11) 982190402.
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