É uma realidade a diminuição do número de espécies dos grandes animais em todo o planeta, notícia essa que já se tornou repetitiva na mídia, pesquisas acadêmicas e programas de fomento e incentivo à preservação sejam de baleias, gorilas, rinocerontes, onças, leões, só para citar alguns. Esqueça justificativas como as das eras geológicas terrestres, fome no mundo e, principalmente, infinitude da vida animal: veremos que não, os animais não são eternos e que o maior perigo à sua sobrevivência são as ações dos seres humanos.
Vamos colocar números na conversa? Mais da metade das espécies de primatas no mundo, orangotangos, gorilas e chipanzés estão em perigo crescente de extinção até o final desse século XXI devido à perda de seu espaço próprio para sobrevivência, ou habitat, reduzido paulatinamente e sem tréguas devido à expansão de áreas para pastagem e agricultura, exploração de minérios de alto valor, como o ouro e a caça.
Some-se a contaminação desses animais por doenças infecciosas, como os surtos de ebola que entre 2002 a 2004 mataram mais de 90% dos gorilas e quase 80% dos chimpanzés na República Democrática do Congo ou o surto de febre amarela em 2016 na região sudeste do Brasil, matando milhares de macacos que já estavam ameaçados de extinção como o macaco-sauá (Callicebuspersonatus) e o bugio-ruivo (Alouatta guariba mitans).
De 1990 a 2010, em países como Brasil e Indonésia, registra-se perda de cerca de 1,5 milhão de quilômetros quadrados de áreas ocupadas por esses animais para atividades agropastoris executadas de forma também predatória, sem aproveitamento racional do solo, abocanhando pedaços sempre novos e deixando desertos áridos ou improdutivos onde passa. Nesses mesmos países, a perda adicional de cobertura florestal foi de 46,4 milhões e 23 milhões de quilômetros quadrados, respectivamente.
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Nossa Amazônia, conhecida por sua riqueza e vastidão, é também vulnerável: “aquilo não acaba nunca” é mito muitas vezes usado para mascarar a dilapidação e enriquecimento fácil de pouquíssimos, induzido e consentido pela população. Senão, vejamos: o biólogo André Antunes, juntamente com pesquisadores da Nova Zelândia, Inglaterra e Estados Unidos encararam o desafio de calcular o número de animais abatidos durante boa parte do século XX por meio de registros de carga dos navios que partiam do interior do Amazonas para o porto de Manaus.
Nesse período foram abatidos na Amazônia pelo menos 13,9 milhões seis espécies terrestres como o caititu (Pecari tajacu), veado-mateiro (Mazama americana), queixada (Tayassu pecari), jaguatirica (Leoparduspardalis), gato-maracajá (Leoparduswiedii) e onça-pintada (Pantheraonca); também apontam a morte de 1,9 milhão de peixe-boi (Trichechusinunguis), ariranhas (Pteronura brasiliensis) e lontras (Lontra longicaudis). Também morreram 4,4 milhões de jacarés-açu (Melanosuchusniger), com seus 4,5 metros de comprimento em média, cobiçados pelo couro negro. Se perguntarmos hoje a qualquer habitante local sobre a existência ou quantidade desses animais, o que ele nos dirá?
Um agravante é que de 1930 a 1960 a caça comercial passou a ser uma das principais atividades extrativistas da Amazônia, sendo proibida em território nacional com a Lei 5.197 de 03/01/1967, a lei da fauna. No entanto, o “tiro no pé” se deu com a posterior edição de portarias que permitiam liquidar os estoques, intensificando ainda mais a caça e comércio ilegais, já na década de 1970.
Para quem acha que a Amazônia e seus problemas estão longe de nós, voltemos nossos olhos para a Mata Atlântica, onde estamos: pesquisas brasileiras, associadas a centros estrangeiros, apontam que em 88% de 100 diferentes remanescentes da floresta, a onça pintada (maior predador), a anta (maior herbívoro), a queixada (maior devorador de sementes) e o muriqui (maior macaco das Américas, e maior devorador de sementes) não são encontrados e, em alguns casos, em quase 100%, ou seja, já desapareceu. Ainda sobre esses fragmentos existentes, em apenas 20% deles há condições de sobrevivência dessas quatro espécies “chave” que sustentam o frágil bioma, sua diversidade, suas águas doces, que amparam nossa vida, da população das áreas rurais e urbanas.
O trabalho, publicado na revista internacional Science reforça o que o grupo e seus colegas no Brasil têm demonstrado nos últimos anos, em especial na Mata Atlântica: o crescente empobrecimento faunístico dos ecossistemas. “São áreas não desmatadas que estão vazias de animais, inicialmente por causa da pressão da caça, que continua muito presente, mas também por uma série de outros fatores como o corte do palmito juçara, uma importante fonte de alimento para a fauna”, afirma Galetti, da UNESP.
Caça? O que move alguém a caçar? Não se pode negar que a pressão é maior em locais de subdesenvolvimento, mas uma coisa é sempre certa: há quem queira que se permaneça assim para que caça continue. Ainda que seja para manter o círculo de pobreza e espoliação da fauna, rendendo tostões à comunidade local, que por sua vez repassa a um gigantesco e MUITO lucrativo comércio de peles, couros, tradições e superstições milenares de cura e afrodisíacos para abastados.
Aliás, são também esses abastados (mas que parecem nunca se bastar) que injetam dinheiro na tal “caça esportiva”. Para mim nada mais é que uma junção de palavras cujo significado perverso se equivale a “espancamento divertido”, por exemplo. Quem a pratica, seja rico ou pobre, consciente ou ignorante, revela sentimento de dominação, sempre acompanhado de requintes de crueldade e covardia, que não cessam no animal abatido e exposto como troféu.
Hoje no Brasil a caça reside na ilegalidade, mas há notícias à vista nesse horizonte sombrio, como a “PEC da Caça”, do deputado federal Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina. Sob a alegação “pomposa” de “regulamentação de manejo, controle e exercício de caça de animais silvestres”, é combatida por TODOS os órgãos ambientais brasileiros e internacionais. Façamos, pois, nossa parte, refletindo e sabendo mais de fontes fidedignas de informação e pesquisa como sugerimos, abaixo.
Para saber mais:
http://revistapesquisa.fapesp.br/2018/08/08/ameacas-aos-macacos/
http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/09/16/com-floresta-sem-fauna/
http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/11/18/os-efeitos-danosos-da-caca-ilegal/
ELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS
Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola.
CRÉDITOS DAS FOTOS
Foto principal: https://bit.ly/2R0sVCU
caça esportiva (África): https://bit.ly/2NTQf3g
Caça ilegal Brasil: https://bit.ly/2P9CthL