Preste atenção: nas madrugadas ainda frias e silenciosas, podemos ouvir ao fundo um canto mavioso, bem ritmado, de um pássaro que todos anos anuncia o início de sua época de reprodução: é o sabiá-laranjeira. Anunciando a estação da primavera e sua presença às “passarinhas” próximas, nos presenteia com esse chamado para nos sintonizarmos com a natureza.

Pode parecer incrível, mas até mesmo ele e seu belo canto, cheio de gorjeios, já foi alvo há alguns anos atrás de protestos de moradores, se não me engano da capital, São Paulo, alegando-se que não era possível descansar com o “barulho insistente às 3 horas da madrugada desse pássaro sem-noção”. Pesquisadores e ornitólogos foram atrás e descobriram que por ser exatamente uma cidade incrivelmente barulhenta já as 4, 5 horas da manhã, o sabiá escolhia horários em que havia certa calmaria para executar seus tradicionais trinados, ou seja, ele atrasava seu canto. Ainda bem que muitos outros moradores acharam graça do mau-humor de alguns e deu-se a celeuma por encerrada: deixa o sabiá…

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Pois o sabiá-laranjeira traz sua aparência já no nome, Turdusrufiventris, ou o tordo, uma espécie europeia, com ventre vermelho acastanhado bem característico. Genuinamente brasileiro, os índios que aqui viviam foram os primeiros a batizar a ave com o nome que hoje conhecemos: em tupi, sabiá significa “aquele que reza muito”, atribuição devida ao seu gorjear repetido, especialmente ao alvorecer e entardecer, mas que pode ser ouvido durante o dia, nessa época. Conta a lenda que quando uma criança ouve esse canto, no inicio da primavera, durante a madrugada, será abençoada com paz, amor e felicidade.

É a Ave Nacional do Brasil por decreto de 2002, sim senhor!, compondo os símbolos nacionais com o brasão de armas, o hino, o selo e a bandeira.

Sua consagração literária está nos versos de Antônio Gonçalves Dias, poeta maranhense, em sua “Canção do Exílio”, em que retrata a saudade do Brasil e de suas riquezas:

“Minha terra tem palmeiras,

onde canta o sabiá.

As aves que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.

(…) Não permita Deus que eu morra

Sem que volte para lá.”

Isso em 1843, há 175 anos atrás, portanto nosso querido sabiá resiste, e resistimos com ele com seu canto melodioso. Assim também, como um canto de resistência e amor à pátria, Chico Buarque e Tom Jobim compuseram “Sabiá”, recriada sobre a “Canção do Exílio” com a genialidade de ambos, inconteste.

“Vou voltar

Sei que ainda vou voltar

Para o meu lugar

Foi lá e é ainda lá

Que eu hei de ouvir

Cantar uma sabiá…

Vou voltar! (…)”

Citado em muitas canções, não podemos deixar de trazer essa obra prima de Goiá e Belmonte:

“De que me adianta viver na cidade

Se a felicidade não me acompanhar

Adeus paulistinha do meu coração

Lá pro meu sertão eu quero voltar.

 

Ver a madrugada, quando a passarada

 Fazendo alvorada, começa a cantar.

Com satisfação, arriei o burrão

 Com satisfação saio a galopar

 E vou escutando o gado berrando

 Sabiá cantando no jequitibá (…)”

Aqui nesta “Saudades da Minha Terra” se vai pontuando o cotidiano da roça que trazia felicidade ao recém chegado à cidade, não podendo faltar o madrugador sabiá no majestoso jequitibá(foto acima), este hoje infelizmente com poucos exemplares centenários no país, um deles com cerca de 40 metros no Parque Estadual de Vassununga, SP.

Mas qual é o canto desse pássaro, então? Para que não restem dúvidas, buscamos aqui essa gravação (https://www.wikiaves.com.br/midias.php?tm=s&t=s&s=11523&p=1), disponível no site do Wikiaves, página dos admiradores de todos belos pássaros em seu ambiente natural, os chamados “birdwatchers”, ou simplesmente observadores de aves.

Como as crianças que ouvem o canto flauteado do sabiá, sejamos também nós abençoados por essa conexão, ao nosso alcance, com a natureza.

 

 


ELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS

Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola.

 

 

 


Foto principal – www.oeco.org.br

Imagem sabiá laranjeira – https://bit.ly/2MaLOjN

Imagem do Jequitibá-rosa – https://bit.ly/2O1QFFB