Na quinta gravidez, ela passou a ser alvo de comentários maldosos de quem não tem o que fazer. “Vai povoar o mundo sozinha… não tem televisão em casa… tá engravidando só de lavar as cuecas dele”, diziam. Mas só tinham filhas mulheres e ele queria um menino. As consecutivas gravidezes iniciavam-se ainda no resguardo da anterior. Para cada aniversário de casamento, uma filha.
Na intimidade com as irmãs, que a julgavam fogosa e demonstravam até certa inveja da virilidade do cunhado, ela omitia o fato de que em sua privacidade conjugal, sexo era instrumento exclusivo de procriação. Cada vez que o marido se aproximava, era com o instinto animal de perceber a fêmea no cio e emprenhá-la.
O período gestacional era respeitado com castidade eclesiástica.
Na sétima gestação as supersticiosas diziam que se fosse outra mulher, teria que ser batizada pela irmã mais velha… do contrário viraria bruxa. Assim foi… outra mulher.
Mas ele queria um menino.
Fez de tudo… simpatias, rezas, tomou leite de égua, passou debaixo de figueiras e nada.
Sugeriu-se uma crendice antiga na qual ela deveria, no terceiro dia de suas regras, atravessar um riacho a pé… mas que regras? Desde que casara-se virgem, seu aparelho reprodutor não desperdiçara óvulos… eram fecundados e devidamente vingados em forma feminal.
Época em que as máquinas de ultrassom ainda não haviam chegado ao Brasil, assim, cada parto era uma surpresa em relação ao sexo do bebê.
E ele queria um menino.
A oitava gestação não chegou ao fim. Ela contraiu rubéola e o bebê, menino, morreu em seu útero, aos quatro meses. Expelido espontaneamente, ficou por horas nas mãos do pai desacreditado por ter perdido o tão sonhado filho… o menino que ele queria.
As sugestões de adoção eram recusadas por ele, que insistia em acreditar que ela, saudável, poderia engravidar até que viesse o menino.
De fato, ela paria com a facilidade de quem respira. Suspirava nas primeiras contrações e o rebento já estava mamando.
As meninas cresciam entre o carinho materno e a indiferença paterna. As irmãs chegavam anualmente. As mais velhas encarregavam-se dos cuidados com as mais novas e até das tarefas domésticas.
Na décima quarta gestação, a filha mais velha conheceu nos arredores do sítio onde moravam, um moço bonito, delicado e muito tímido. Trabalhava na roça e enviava dinheiro aos familiares no nordeste, de onde havia fugido da seca.
O pai, que chegava a confundir os nomes das filhas, tamanho era o desprezo que lhes tinha, quis saber das origens do rapaz, julgando-o muito novo para assumir compromisso de namoro com a filha.
-Dezessete anos. Para o ano faço dezoito e posso casar.
OUTROS TEXTOS DE ROSITA VERAS
AS FRENÉTICAS, EU E O VENDEDOR DE COCO
Simpatizou com o menino. Estreitaram amizade.
Ele vigiava com gosto o namoro, que aliás lhe proporcionava bons momentos de prosa, o que não era comum em casa.
Faltando pouco para o casamento ele fez questão de viajar com o futuro genro para o nordeste, na intenção de conhecer seus familiares.
Nunca mais voltaram.
Cada vez que tocavam no assunto, a esposa abandonada dizia com desprezo, raiva e ironia…
É que ele queria um menino.(Foto Fiocruz/Agência Brasil)
ROSITA VERAS
É escritora, ghostwriter e articulista. Rositaveras.blogspot.com
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