Somos mulheres. Até quando isso será uma sentença de morte?

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Recentemente, conquistei algo que me encheu de orgulho: produzi meu primeiro espetáculo em um recinto dentro da Galeria Beco Fino, um espaço belíssimo, pulsante e até então, distante de públicos como o meu. Aquela galeria — charmosa e majoritariamente frequentada por um tipo específico de gente — abriu-se a algo diferente naquela ocasião, outros tipos. Para mim, iniciar a trajetória de produção de eventos também veio da necessidade de tentar criar espaços onde grupos minorizados poderiam se sentir bem vindos e seguros. Ao trazer mulheres e pessoas LGBTQIAP+ para a idealização e produção, procuramos garantir essa bem vital: segurança. Sabíamos que estávamos criando um espaço onde a existência de tipos como os nossos não seriam ameaçados. Ou, pelo menos, nos comprometemos a tentar com todas as forças.

É estranho pensar em pessoas como “tipos”, e confesso que nunca gostei dessa lógica. Me parecia algo redutor, generalizante. Mas a vida me ensinou, à força, que não importa se gosto ou não: a sociedade insiste em me tratar conforme o tipo que represento. Sendo artista performática, já ouvi absurdos de quem sequer compreendia o que eu fazia. Sendo LGBTQIAP+, enfrentei o peso de estereótipos, mentiras e até ameaças de forças políticas regionais. Sendo mulher, a minha simples existência foi tornada um desafio diário. E em quase todos esses casos, os agressores tinham algo em comum: eram homens.

Foi um homem que me assediou no metrô quando eu tinha 13 anos.

Foi um homem que, ao me ver montada à noite, me puxou pelo braço e perguntou “o valor do programa”.

Foi um homem — segurança de uma casa onde trabalhei — que invadiu meu espaço e me propôs atos que prefiro não mencionar.

Foi um homem que me fez sentir medo dentro da minha própria casa quando adolescente.

No dia 1º de maio, realizei na Galeria Beco Fino um sonho. No entanto, não demorou para que, no mesmo local, o pesadelo de outra mulher se tornasse realidade. No dia 2 de junho, Taís Bruna Castro(foto), de 36 anos, foi assassinada à luz do dia, enquanto almoçava. O crime foi categorizado como feminicídio. Segundo a investigação, o autor agiu movido por sentimentos não correspondidos. Planejou o assassinato por mais de 20 dias.

Não descreverei os detalhes. Não quero que ninguém precise imaginar o que ela viveu. Nenhuma mulher deveria ser marcada por sua dor. A verdade é que a vida se torna mais frágil quando a sociedade vê você como um “tipo”. Como mencionei no meu artigo sobre uma jovem transexual assassinada também em plena luz do dia, certas pessoas andam pelas ruas com um alvo invisível nas costas. E não é coincidência: ambas eram mulheres.

Carregamos o peso de temer constantemente. Toda vez que cruzamos com um homem em uma rua deserta e mudamos de calçada, isso não é paranoia. Quando ouvimos uma moto se aproximando e nos preparamos para reagir, isso não é exagero. É sobrevivência.

Eu poderia escrever uma longa dissertação listando todas as vezes em que temi pela minha vida, em que me senti agredida. Homens empáticos talvez se sentissem devastados ao ler. Mulheres, por sua vez, se compadeceriam — mas dificilmente se surpreenderiam. Porque essa dor, essa angústia, essa vigilância constante, é algo que compartilhamos. Essa história não é só minha: é a de toda mulher brasileira.

Gostaria de poder encerrar esse texto com uma proposta de solução, como fazíamos nas redações da escola. Mas já não tenho esse luxo. A realidade é dura demais para ser resolvida em um parágrafo de conclusão.

Ainda abalada com o caso de Taís, tudo o que posso propor é: estejamos conscientes. Cuidem das mulheres da sua cidade. Pressione quem está no poder para que feminicídios sejam tratados com a urgência e o cuidado que exigem. Apoie mulheres. Informe meninas sobre os perigos, ofereça escuta, acolha.

A luta feminista não é opcional. Ela é vital. E é urgente. Não podemos parar até que nenhuma mulher seja morta por simplesmente existir. No Brasil, houve mais feminicídios em 2024 do que em 2023. Estamos falhando. Por isso denuncie. Esteja atento. Pressione. Proteja. Por Taís Bruna Castro. Por Maria Polito, uma das primeiras vítimas de feminicídio registradas em Jundiaí, em 1900. Por todas as que tiveram suas vidas interrompidas pela misoginia.

Para denunciar, disque 180 – Central de Atendimento à Mulher
Delegacia de Defesa da Mulher de Jundiaí – Av. Nove de Julho, 3600 – Centro(Foto: redes sociais)

ANNA CLARA BUENO

De nome artístico Anubis Blackwood, é drag queen, artista performática e visual, professora de inglês, palestrante e produtora cultural. É membro do coletivo Tô de Drag, o primeiro de arte drag de Jundiaí e região. Colabora com o ‘Grafia Drag’, da UFRGS. Produz o festival Drag Vibes em colaboração com o coletivo, para democratizar a arte drag, mostrar sua versatilidade e levá-la a espaços e públicos novos por meio de performances plurais e muito diálogo.

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