Seremos mais hábeis na comunicação interpessoal? Estaremos mais conectados com nossos parceiros? Seremos mais disponíveis e mais próximos no futuro? Nosso estado de alerta será voltado a uma comunicação mais sensível e mais rápida? Coisas assim, bem simples, parecem já ter suas respostas marcadas: não para todas elas. Não teremos mais habilidade na comunicação, porque não daremos prioridade para nossos interlocutores. Isto é algo que não tem fim. Estaremos cada dia mais distantes do outro, ainda que estejamos conectados minuto a minuto.
As questões acima indicam alguma forma de preferência, de intencionalidade e, sendo assim, dependem muito mais das pessoas do que das máquinas que facilitarão a conectividade. Fica claro que, ao darmos preferência por um joguinho e não por um bate-papo, a escolha coube a nós e não à máquina. As preferências são particularidades e personalizadas pelo nosso momento, sempre orientada por aquilo que eu quero, que eu pretendo e que me agrada. Nunca pela máquina.
Assim, é perfeito dizer que nós pensamos, que nós refletimos e analisamos, que nós damos valor a este assunto, a esta pessoa e não àquele outro, o que é refletido em nossas escolhas e nossas rejeições. Entretanto, nossa covardia nos faz fugir da responsabilidade de deixarmos nossos queridos no limbo, pondo culpa na lentidão do 4G, na área onde nos encontramos ou na grande quantia de coisas a fazer, ainda que gastemos o dia jogando ou “stalkeando” ou pululando as páginas dos famosos do Insta (registrando nossa pobreza de espírito e nossa reduzida cultura).
Na tentativa de aprofundar e finalizar essa parcela de crônicas, ainda seguimos por caminhos usuais, porém pouco abertos para análise: nossas visitas à sites ou espaços tenebrosos que alimentam nossa libido ou nosso instinto de investigador barato e rasteiro. Quantas vezes curtimos ou replicamos uma foto, uma página ou um site de assunto de origem duvidosa, ou de imagens das “peladonas” e ”peladões”, de notícias sem fundamentos e de temas totalmente sem ligação coma realidade, desprovido de veracidade e pleno de um olhar de baixa pornografia (como se houvesse alta pornografia).
Sabe-se que alguns usuários da internet passam horas a fio jogando, seja lá o jogo que for. Isso é vício. Mesmo que o jogo alivie a ansiedade, ele é vício pelo número de horas e pelo número de vezes que tais atitudes se repetem. Um ato viciante que, de início, oferece alívio e certa tranquilidade aos sintomas ansiolíticos, mas acaba por amarrar o usuário na atitude que “mascarou” a primeira aflição. Ao estado de saúde mental, só podemos nos penalizar: o nível de estresse irá aos picos pois a vontade de ganhar cada vez mais será potencializadora de um lançamento de cortisol que trará muito problema, à medida que se estende a situação.
Pego-me pensando se existe meio termo. Se há possibilidade do uso contido ou do uso menos nocivo da internet, quando estamos diante de um aparelhinho que toda criança ganha de aniversário ou de presente de Natal. Infelizmente não encontrei solução, em especial porque os presentes são dados pelos pais, para se verem livres da obrigação de educar. Isto faz com que a conexão rápida, as luzes da tela e o ambiente virtual ofereçam uma outra educação, que futuramente cobrará processos de cura e de estabilidade emocional. Trocando em miúdos, sai-se de um mal e abraça-se outro.
É uma troca inglória, desde que se tenha a certeza que o mal real é visível, perceptível de imediato e o cybermal é algo que só perceberemos com o passar do tempo e das gerações; pensando que as drogas alucinógenas são concretas e sabemos onde estão e como combate-las e as drogas virtuais estão, igualmente, em todos os espaços, de mais fácil acesso e atuando de forma pesada 24 horas por dia, intermitentemente.
Interessante notar que apesar dessa quantidade de problemas, já sabemos que a internet é excelente meio de comunicação e entretenimento, quando usado com zelo e acurácia. Seu uso de maneira ponderada facilita e agiliza a nossa vida, que está envolta num sistema de trabalhos e respostas que atendam a uma fugacidade e certa inquietude de ação, o que nos torna quase cyber-humanos. Sim, as consultas médicas virtuais e os exames escolares virtuais são elementos da nova cultura, que vieram para ficar, tanto quanto as audiências musicais, festivais e tribunais de júri. De certa forma, benéficos porque não nos cobram deslocamentos nem outros riscos de perda de hora por congestionamentos, chuvas ou desconhecimento dos locais.
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Entretanto, não seja feito regra, aquilo que ainda existe em regime de exceção; alguns parâmetros necessitam de melhor análise e pertinência, como podem ser melhorados. Não analisamos (nem analisaremos) os casamentos e romances com sistemas operacionais, pois ainda estamos meio distante de uma frequência que nos incomode ou nos assombre, mas já podemos antever uma outra sociedade com uma outra cultura; melhor dizer: uma outra cybersociedade com uma outra cibercultura. Isso sim é fato, já.
Por enquanto, resta-nos analisar e buscar entendimento para o avanço que estamos dando, diante de um (cyber)espaço que não conhecemos e pensamos que dominamos, sem percebermos que estamos sendo dominados por ele. Como terapia faz bem, em especial se eu não acreditar que somos sendo dominado pelo cybersistema. E vamos viver o real, enquanto não nos contaminamos de vez.(Foto: Depositphotos)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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