Alguém já ouviu a música “The Scientist” do Coldplay? Tentou traduzir? Sentiu dor na alma? Melodicamente linda, com uma letra de arrancar pedaços de nossos corações, a balada fala …dizer que sinto muito/…eu tive que ir atrás/faça-me suas perguntas/vamos voltar ao início/ninguém disse que era fácil/ninguém disse que era fácil/ninguém jamais disse/questões de ciência não falam/tão alto quanto meu coração…
Como sempre aprendemos, a música é para ser ouvida e a letra para ser interpretada: cada letra uma Vida, pois. Perguntaram-me de onde eu tirei inspiração para a última crônica e a resposta foi o silêncio; estou me tornando fluente no silêncio, talvez pelos reveses que andei vivendo e causando nestes últimos meses, de muita agitação e mudanças. Talvez porque eu esteja tentando voltar ao início (Let´s go back to start, Coldplay…).
ASSISTA AO VÍDEO DO COLDPLAY:
Difícil é ter certeza de qual início e por que voltar a ele, mas a verdade é única: voltar a um início diferente dos anteriores. Sem as repetições, sem os vícios, sem as mentiras, vacilos e erros antigos, permitir-se voltar virgem de princípios e escolhas, para que as demandas sejam mais suaves e mais amenas do que as vividas até então.
Se foram ruins? Não, não foram ruins, foram amargas e de difícil resolução, criando espaço para muito aprendizado, porém reveladoras e duras ao ponto de causar vontade de dormir até a eternidade. Esses sintomas não são animadores nem prazerosos, ainda que tenham sido suficientes para um crescimento interior; são pontos de partida para um começo (Let´s go back to start, Coldplay…) que não se sabe a continuidade nem a sequência de fatos que se criará, no futuro. Mas que é necessário.
É nessa situação que meu aprendizado no silencia se faz presente e me brinda com a sagacidade e desconfiança de quem foi esfolado e açoitado em praça pública: lições amargas não me seduzem mais. Estou em busca de propostas que “falam tão alto quanto meu coração” para que eu possa voltar a acreditar em falas, atitudes e pessoas, como já houvera acreditado antes.
Ninguém jamais disse que era fácil. Mas não é igualmente humano viver de sonhos e ilusões que não se consolidam nem ao menos se evaporam: permanecem a nos rondar, como um fantasma a espreitar pelas frestas de uma porta entreaberta; ao assumir a dificuldade de viver de ilusões, talvez estejamos dizendo que buscamos a concretude das emoções e a distância das fragilidades oníricas. Talvez. Apenas o iludido (ou sonhador) saberá a resposta que procura e aquela que pretende assumir.
E, assim, segue o baile, com a sonora e inebriante música da orquestra que insiste em continuar a dar o ritmo à Vida, ainda que nos conduza a propostas de dor e destruição. Sim, o baile pode e tem seus aspectos fúnebres, sim! Muitas das ruas e avenidas por onde andamos são impregnadas por propostas nem sempre saudáveis a nossa vida intelectual e afetiva: são totalmente emburrecedoras e destrutivas. Basta olharmos para nossas parcerias tóxicas…
Quando tentamos romper com o círculo vicioso a que nos afeiçoamos e nos escravizamos, somos impelidos a manter o ritmo e as formalidades já existentes, sem nenhuma forma de oposição: reza a lenda que o baile deve seguir, tal qual começou. Então, cordeiramente, mantemos os vínculos que nos machucam e sangram, mas permanecemos firmes e fortes, sentindo aquela dor da ingratidão e da mentira, sem reclamar. E segue o baile.
Na sociedade contemporânea, onde as relações interpessoais são mais fluidas e mais diluídas, este baile nem sempre chega a se concretizar: não alinhavamos projetos com nossos pares afetivos, mesmo porque nem sempre existe este par: não é raro percebermos carreiras solo, em que não se consolida uma relação interpessoal nos moldes daquelas do século XX. Cheios de maneirismo e distanciamento, os jovens vivem muito bem sua existência solitária, ainda que insistamos que o homem seja um ser sociável e de vida grupal.
Muitos, mas muitos mesmo, são os que vivem apenas e tão somente para seus trabalhos, seus estudos e seus progressos financeiros, sempre cercados de uma tecnologia de altíssima velocidade e complexidade. Esta é a marca da pós-modernidade, onde nossos jovens adultos assumem papéis de adolescentes tardios, cultos e empoderados, mas com um relacionamento social pobre e árido: o distanciamento é uma marca desta geração.
Para aqueles que vieram de outro século, salvo melhor juízo, a linguagem do silêncio soa como um sino desafinado, um violino com cordas frouxas ou um pandeiro com couro pouco ajustado: viemos de uma época em que a conversa e o diálogo eram as fontes iniciais de grandes projetos e grandes descobertas. O silêncio não é uma língua na qual temos fluência e torna-se dolorido ter que adotá-lo como referência.
LEIA OUTROS ARTIGOS DO PROFESSOR AFONSO MACHADO
A TRAIÇÃO DO PETER PAN TUPINIQUIM
Observando, de maneira pouco sistemática, podemos dizer que ai reside a divergência entre estas duas gerações: a moderna, de um lado e a pós-moderna, do outro. Uma expansiva, falastrona, inquieta e outra mais taciturna, fechada e silenciosa. Menos atritos que anteriormente vivemos, mesmo porque os pós-modernos não estão disponíveis para reflexões ou discussões emergentes: eles se bastam e decidem por si. Pronto. E segue o baile, como se nada de estranho compusesse o cenário.
A balada fala ...dizer que sinto muito/…eu tive que ir atrás/ faça-me suas perguntas/vamos voltar ao início/ninguém disse que era fácil/ ninguém disse que era fácil/ninguém jamais disse/questões de ciência não falam/tão alto quanto meu coração. E, pacientemente, caminhamos juntos, calados, por ruas nunca antes caminhadas, concordando ou não com as atitudes perceptíveis, mas seguimos o baile. Ninguém disse que o progresso seria fácil.(Vídeo: Legenda Pop Brasil/Foto: Elijah O’Donnell)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do Lepespe, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da Unesp. Mestre e Doutor pela Unicamp, livre docente em Psicologia do Esporte, pela Unesp, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
VEJA TAMBÉM
PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA
ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES