A ORDEM DENTRO DO CAOS

ordem

Semana intensa, apesar de curta. Muita coisa importante acontecendo e muitas decisões sérias sendo tomadas; de repente a ficha cai e algumas opiniões passam a ser revisitadas e outras perdem seus lugares. Decepções são avaliadas e ganham status de aprendizagem, enquanto se busca entender qual será a ordem dentro do caos. A sério temos que a Vida mostrou que paciência tem limites e que respeito a si é algo a ser promovido à lei.

Enquanto deixamos a Vida correr, buscando compreensões e diálogos que sempre terminam em monólogos e queixumes, mas sem tirar os demais envolvidos de sua posição cômoda e insonsa, a Vida vai se tornando insustentável e difícil: não há transformação nem melhora na proposta de uma vida saudável. Tudo sempre igual, mesmos vícios, mesmas falas, mesmos propósitos.

Então, num golpe de mestre, vem o Tempo (ah!!! O Tempo, este senhor tão querido…) e, numa guinada suave e profunda, afasta de perto do seu meio tudo o que ocasiona preocupação e aponta para o outro lado da Vida, onde outros valorizam seus feitos, enxergam seus defeitos e ajudam-no a corrigi-los, propõem projetos edificantes e excluem sonhos impossíveis. Chega a parecer mentira, mas quem mudou foi você, permitindo-se enxergar por dentro.

A melhor das miragens, sim, está dentro de nós mesmos. Nossas transformações somente serão efetivas se nos permitirmos aceitá-las e, acima de tudo, concordarmos que muitos fantasmas precisam ser exorcizados. A fantasia só é benéfica, se houver crescimento e concretude nela, caso contrário, só será agradável para um dos lados da relação. E uma relação humana tem, no mínimo, dois lados: é preciso duas pessoas para se garantir segurança e sobriedade.

Analiso à distância (e internamente, também) o quanto se escolhe sofrer para não magoar o outro. Por que será que alguns de nós optam por ser o que carrega o piano, toca a música, lustra o móvel e ainda se entendem em débito com o outro. Na contramão, o outro não gosta de piano, não curte a música, não vê a sujeira do móvel e não se preocupa com absolutamente nada, apesar de fazer de conta que se interessa pelo enredo.

Estes casos não são emblemáticos nas relações, ao contrário, caracterizam-se como majoritários e se estendem pelos quatro cantos da Terra, em todos os níveis de relações humanas, das familiares (que parecem sempre coesas mas são cáusticas, em sua maioria) até aquelas mais sensíveis que envolvem relações de dependências, como as profissionais e de vínculos arriscados como as estabelecidas entre médicos e pacientes, terapeutas e clientes, professores e alunos. Quando não se tem compreensão do mundo alheio, corremos o risco de menosprezá-lo. Infelizmente.

E este risco se potencializa a medida que a relação avança, se não houver correção de rota e se não houver um trabalho intenso a quatro mãos. O sucesso de nossas relações depende sempre do investimento que fazemos, em conjunto, com nossos pares afetivos. É agradável ver a construção do projeto de vida construído a dois ou mais personagens. E totalmente dolorido ver o projeto solo, quando o outro não se interessa em criar espaços e possibilidades para a edificação em parceria.

Dizem ser difícil notar isso, mas vejam: o professor quer ajudar a construir um projeto e o aluno não tem o mínimo interesse (e não apresenta o seu interesse!!!); o pai sonha na melhora de vida familiar, mas os membros da família não se preocupam em partilhar os avanços e não colaboram com os planos (sem dizer em que acreditam!!!); os amantes e os amados buscam facilitar as propostas de união e as parcerias se excluem dos planos ou rejeitam (sem dizer em que apostam!!!). Estes exemplos nos garantem o esvaziamento das participações numa boa relação humana.

Pior do que o esvaziamento: alguns não se sujeitam a novas relações e tornam-se distantes e incrédulos. Olhando rapidamente para o quadro vemos que a participação de uma pessoa tóxica em nossa vida por ser desastrosa, em especial quando não temos noção de que a virada de mesa depende da nossa habilidade social: nós escolhemos aquilo que queremos e, deixando brechas, elas serão ocupadas por oportunistas que estão ao nosso lado, esperando nosso vacilo.

Não há porque se iludir: oportunistas também são conhecidos como amigos, colegas, parceiros, familiares, alunos, vizinhos, patrões, chefes, coordenadores, filhos primos, pais, namorados, esposos, enfim…todos os que, de plantão, aguardam a oportunidade para protagonizar uma cena de total insanidade, consciente ou inconscientemente. E, muitas das vezes acreditamos ser algo que está mal estabelecido porque temos parcela de culpa; o outro é bom…

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CONVIVER COM A VERDADE

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ESTÁ TUDO BEM NÃO ESTAR TUDO BEM

Santa ingenuidade. Santo medo de estar só. Santo desespero em se fazer acompanhado por pessoas que não merecem nossa confiança e companhia. A carência é perigosa por nos fazer permitir que violem nossos espaços e a inteligência emocional precisa estar sempre atenta para que tenhamos a percepção daquilo que nos serve e daquilo que não nos convém. Preocupante é perceber que algumas pessoas não conseguem se afastar dos algozes que os matam por dentro.

E este matar, não é dando um tiro, ou uma facada. É tirando-nos a voz, alterando nossos desejos, calando-nos a alma, silenciando nossos afetos e alterando nossas vidas em suas propostas essenciais. Como mudar? Dando voz a nossa autoestima e fortalecendo nossa autoconfiança. Um grande passo para a libertação destas situações é acreditar no poder de transformação interna e contar com uma boa rede de apoio que nos mobilize com eficácia e segurança. Sempre é tempo para reiniciar. Sempre é possível se reinventar…(Ilustração: Lincon Vasconcelos/Cena do clipe ‘Aos Encantados – Ser Boreal’, Pingo de Fortaleza/Youtube)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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