As vivências com o Papa Francisco se dão de inúmeras formas e, no final da semana passada, aconteceram na Jornada Mundial da Juventude(JMJ), um evento lindo da Igreja, instituído por São João Paulo II em 1985.
Enquanto acompanhava as falas do Papa no Panamá, sede da JMJ neste ano, especialmente aos jovens reclusos no Centro Correcional de Menores de Las Garças de Pacora, durante a liturgia penitencial, recordava-me do empobrecido com quem estivera na véspera.
Aliás, cabe uma interrupção na sequência deste texto: gostei demais da liturgia penitencial naquela prisão que, segundo o diretor interino da sala de imprensa da Santa Sé, Alessandro Gisotti, acontecia pela primeira vez em uma jornada da juventude. Considero impossível a reconstrução de uma pessoa, por mais eficaz que sejam os caminhos do empoderamento, se não houver um olhar sobre si, o arrepender-se, pedir perdão a Deus e se perdoar.
Retorno ao empobrecido. Conheço-o há uns vinte anos. Sempre de bom humor, jamais o vi em atitude agressiva. Olha carros na feira, bate em algumas casas pedindo um troco, não se importa com a vestimenta. Desconheço se possui família e um local para morar. Com certa frequência me deparo com ele cheirando cola. Dizem, no entanto, que usa cocaína da mesma forma e que se abriga, em algumas noites, no meio de umas árvores de eucalipto.
Divertido ele: tocou a campainha, certa vez, aqui de casa em dois dias seguidos. A mamãe o atendeu. No primeiro, ofereceu uma ajuda. No segundo, da janela, deu uma bronca por voltar em período tão próximo. Respondeu a ela: “Entendi, vó, a aposentadoria ainda não saiu”. E se distanciou rindo.
Questionava-me o fato de, embora não se interesse por banho, o cabelo sempre muito bem cortado.
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Em sua homilia, o Papa comenta que Jesus quebra a lógica que separa, exclui, isola e divide e que cada um de nós é muito mais do que os rótulos que nos dão. E, em outra homilia, na Via-Sacra, o Papa diz que Jesus “caminha e sofre em tantos rostos que padecem a indiferença satisfeita e anestesiante da nossa sociedade que consome e se consome, que ignora e se ignora na dor dos seus irmãos”. Conclui com um pedido a Deus: “Pai, como Maria, queremos aprender a ‘estar’. Ensinai-nos, Senhor, a estar ao pé da cruz, ao pé das cruzes…”
No dia em que estive com o empobrecido, acabei lhe perguntando por que o cabelo a toda hora cortado. Uma paixão? Respondeu-me que, onde corta o cabelo – creio que em algum projeto social -, massageiam sua cabeça e que esse toque carinhoso o faz lembrar-se do colo de sua mãe.
Como pediu o Papa Francisco, peço também: “Pai, ensina-me a estar ao pé da cruz, ao pé das cruzes!” – Foto: Juanca Guzman Negrini/Gov.Perú/Fotos Públicas
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE
Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de risco.