Para aonde ir? Este deve ser o questionamento do jovenzinho, não tão próximo e nem tão distante, que conheço há alguns anos. Às vezes vem ao meu encontro para dizer ou pedir alguma coisa; em outras, apenas acena.
O corpo, apesar da pouca idade, está um pouco arcado. Penso que seja mais por caminhar olhando para o chão, do que por algum problema físico. São tantos os desapontamentos que parece ter perdido o interesse em olhar para frente.
Complicada a vida dele sem muitas perspectivas para o futuro, desesperançado e com sonhos apenas de imediato como um cachorro-quente, um saquinho de guloseimas ou um celular, pois os que teve não duraram mais que uma semana.
Possui limites na memória, no discernimento e para conter as emoções. Se você lhe diz sobre possibilidades e impossibilidades, no dia seguinte esqueceu.
Semana passada passou por mim com uma bola de futebol. Foi em direção da quadra em que muitos jogam futebol. Não o aceitaram. Arranja encrenca e usa de violência se a equipe dele perder. Embora seja afastado em seu próprio mundo, admitir perdas parece que o faz, por instantes, ter ciência de sua realidade. Dobra-se.
Complicada a vida dele, vítima de preconceito a partir de seus impedimentos. Minha amiga Cláudia Marzia Ferreira de Souza opinou a respeito da pessoa que carrega preconceitos. É ódio que possui dentro dela e necessita extravasá-lo em um determinado grupo de pessoas. Tem fundamento. Nós realmente reagimos de acordo com o que retemos por dentro. Que triste quem é portador de ódio. É de olhar e palavras que matam.
O jovenzinho prefere não ir à escola. Para ele todas as aprendizagens são enigmas que não consegue decifrar. Ao não assumir sua fragilidade – normalmente ninguém gosta – arranja uma forma de chamar a atenção de forma inadequada, até que chamem o responsável por ele para levá-lo embora. Em casa, também provoca atritos. Na rua, o preferem à distância porque a carreta problemas que se transformam em hematomas. Força física ele possui.
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Passou e retornou quase em seguida com a bola debaixo do braço. Não se importaram por ele possuir uma bola nova. Pensou que pudesse ser “senha” de acesso a um grupo que poderia se transformar em amigos. Voltou mais arcado ainda com a bola.
Qual seria o código para ter um amigo?
Complicado pela agressividade dele, contudo não deixa de ser triste.
Para aonde ir, jovenzinho?
Recordo-me sempre do poema “José” de Carlos Drummond de Andrade:
…Sozinho no escuro
Qual bicho-do-mato
Sem teogonia
Sem parede nua
Para se encostar
Sem cavalo preto
Que fuja a galope
Você marcha, José! José, para onde?

MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE
Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de risco.(Foto: Suliman Sallehi/Pexels)
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