Nas praças e ruas das cidades é comum avistar grupos de jovens vestidos de preto, imersos em seus smartphones, alheios ao mundo ao redor. Essa cena, cada vez mais frequente, desperta curiosidade e preocupação sobre o comportamento e a saúde mental dessa geração. O que faz com que esses adolescentes optem por essa estética e esse estilo de vida? Seria apenas uma questão de moda ou haveria algo mais profundo por trás dessa aparente indiferença ao mundo exterior?
Estudos recentes apontam que o uso excessivo de smartphones está associado a diversos problemas psicológicos entre adolescentes. Uma pesquisa realizada pela Sapien Labs com 10.500 jovens de 13 a 17 anos nos EUA e na Índia revelou que o uso precoce de smartphones pode levar a agressividade, alucinações e distanciamento da realidade. Cerca de 37% dos adolescentes de 13 anos relataram comportamentos agressivos, e 20% relataram alucinações, números superiores aos observados em adolescentes mais velhos (Nypost, 2025). Esses dados revelam uma tendência preocupante: a incapacidade de desconectar-se do mundo virtual e lidar com o mundo real de maneira saudável.
No Brasil, a preocupação com o impacto dos smartphones na educação levou à implementação de uma lei federal que restringe o uso desses dispositivos em escolas públicas e privadas, permitindo-os apenas para fins educacionais ou necessidades específicas de saúde. Essa medida visa promover a interação social e reduzir as distrações causadas pelos celulares no ambiente escolar (AP News, 2025). Entretanto, é necessário questionar até que ponto essas políticas podem de fato reverter os danos causados pelo excesso de tecnologia. Afinal, o uso descontrolado dos dispositivos não ocorre apenas na escola, mas também em casa e nos momentos de lazer.
A dependência dos smartphones também afeta a comunicação interpessoal. O termo “smombie”, uma junção de “smartphone” e “zumbi”, descreve pedestres que caminham distraídos olhando para seus dispositivos, ignorando o ambiente ao redor. Esse comportamento não apenas representa riscos físicos, como acidentes de trânsito, mas também simboliza o isolamento social crescente entre os jovens. Não é raro vermos grupos de adolescentes reunidos fisicamente, mas completamente desconectados uns dos outros, cada um imerso na tela do seu aparelho. O que aconteceu com o contato visual, com a troca de palavras e com o calor humano que antes caracterizavam as interações sociais?
Além disso, a sobreproteção parental e o acesso irrestrito à tecnologia têm sido apontados como fatores que contribuem para a deterioração da saúde mental dos adolescentes. A falta de experiências reais e interações face a face limita o desenvolvimento emocional e social, tornando os jovens mais vulneráveis à ansiedade e à depressão(El País, 2025). Pais que tentam compensar sua ausência dando aparelhos eletrônicos aos filhos podem estar, sem querer, contribuindo para esse ciclo de isolamento e sofrimento psíquico. Como poderemos ajudar essa geração a encontrar um equilíbrio entre o mundo digital e o real?
A preto das roupas pode ser interpretado como uma forma de expressão de sua identidade e, em alguns casos, uma maneira de sinalizar um sentimento de pertencimento a determinados grupos. O uso de roupas escuras, típico de subculturas como o gótico e o emo, pode representar uma tentativa de diferenciar-se da sociedade ou mesmo de manifestar uma insatisfação interior.
No entanto, quando essa expressão está acompanhada de isolamento social e desinteresse pelo contato humano, surge uma questão fundamental: o que esses jovens de preto estão tentando comunicar através do silêncio e da ausência de interação? O desafio, portanto, não é apenas entender o comportamento desses “estranhos meninos de preto”, mas também encontrar maneiras de resgatar sua capacidade de interação e conexão com o mundo à sua volta.
É essencial que pais, educadores e a sociedade em geral busquem um equilíbrio no uso da tecnologia, incentivando atividades presenciais e promovendo a saúde mental dos jovens. A solução pode estar na educação para o uso consciente da tecnologia, no incentivo às artes e ao esporte, e na valorização do contato humano. Afinal, de que adianta estar conectado ao mundo inteiro, se estamos cada vez mais desconectados uns dos outros?
Se, por um lado, a sociedade atual oferece inúmeras possibilidades de interação virtual, por outro, há uma crescente carência de relações autênticas e afetivas. O olhar voltado para a tela do celular não substitui a empatia gerada por um encontro real. A ausência do contato físico e da comunicação verbal empobrece as relações e dificulta a construção de vínculos verdadeiros. Por isso, é necessário que haja um resgate do contato humano, das relações interpessoais e da vivência comunitária.
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Precisamos valorizar momentos de conversa sem a interferência de dispositivos eletrônicos, criar oportunidades para encontros significativos e incentivar atividades que fortaleçam laços reais. O mundo digital é uma ferramenta poderosa, mas não pode substituir a experiência da convivência. Só assim poderemos compreender e acolher esses jovens, ajudando-os a encontrar um caminho equilibrado entre tecnologia e convivência social. Afinal, esses estranhos meninos de preto ainda têm muito a dizer — mesmo que, por enquanto, estejam apenas em silêncio. Talvez o silêncio deles seja um grito disfarçado, um pedido de ajuda ou apenas uma maneira de existir em um mundo que, ironicamente, está cada vez mais barulhento e desconectado do essencial.(Foto: Pikist)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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