Muito se discute, e não apenas no Brasil, sobre o papel da chamada “primeira-dama”, assunto que voltou à tona em razão da morte de Marisa Letícia, mulher do ex-presidente Lula. O que pode representar ser o cônjuge de um, ou uma, presidente? O que representou a ex-primeira dama para o país?
Na América Latina a questão ganhou contornos dramáticos por mais de uma vez. Evita Péron foi um ícone da política argentina, amada como verdadeira “mãe dos pobres”, o que era aumentado pelo estilo populista e paternalista de Péron; sua morte até hoje rende filmes, tangos e peças de teatro – e seu túmulo, na Roncoleta, é atração turística das mais visitadas (reconheço que o visitei). Já sua sucessora, Maria Estela Péron, embora tenha-se tornado presidente da Argentina, não tinha o mesmo carisma e foi defenestrada por Jorge Videla do poder, o que fez com que Los Hermanos caíssem na mais sangrenta ditadura militar do continente.
O assunto também é motivo de conversa dos americanos. Hillary Clinton aguentou até o fim as traições de Bill porque tinha o sonho da presidência, perdido para o brucutu Trump. E enquanto Michelle Obama tinha o mesmo nível intelectual de Barack, aparentemente Melanie Trump será apenas a mulher do presidente, até porque, quando fingiu discursar, era plágio manifesto.
Comparando-se essas figuras no Brasil, a falecida Marisa Letícia aproxima-se muito de Melanie: entrou muda e saiu calada. Não foi propriamente uma “primeira-dama” e sim a mulher de Lula, condição que sempre usufruiu nos longos anos do poder. Embora tenha militado no PT, desde o início, nada fez de proativo para os mais humildes, como seria de se esperar de alguém que, sabidamente, tinha origem pobre e sido empregada doméstica. Sendo objetivo e direto, não se tratou de uma personagem histórica, como Sarah Kubitschek ou Ruth Cardoso – esta, criadora do Bolsa Família original a partir do projeto de Betinho, irmão do Henfil, e dona de dotes intelectuais e de vida acadêmica altíssimos.
Isto é o que Marisa Letícia foi: uma pessoa normal, sem grande expressão, sem nada que justifique nada mais senão uma nota de rodapé nos livros de História, como mulher de Lula (este, para o bem e para o mal, será estudado por séculos). Mas defendo firmemente que sua morte não deve ser comemorada por ninguém, seja porque a dor da família deve ser respeitada, seja porque ela em nada influenciou os destinos do país, embora possa ter sido boa mãe ou boa mulher, o que só cabe a seus familiares dizer.
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Mas, ao mesmo tempo em que estou certo de que devemos respeitar a morte, que tudo resolve, também devemos rejeitar as teses absurdas, e totalmente políticas, de que Marisa Letícia morreu “por causa da Lava Jato”, ou de qualquer outra pressão do Judiciário. Sua morte foi causada pelo que o povo chama de “veia entupida” e os médicos chamam de aneurisma, no seu caso hemorrágico e que já era prenunciado há dez anos (exames feitos nessa época já haviam diagnosticado a artéria com má formação). Ex-fumante compulsiva, o que por certo contribuiu para o AVC, estava mais do que acostumada com o jogo do poder e era mulher de um político que, mesmo desgastado continuava falando firme e recusando-se a sair de cena – e não vai sair, estejam certos; vai continuar no palco e, agora, com novos argumentos que saberá tirar da situação, mesmo porque ainda no Sírio Libanês, com a mulher com morte cerebral, conversou sobre política com Temer e vários Ministros, criticando a reforma da Previdência e dando conselhos ao atual Presidente (show must go on).
Resumo da ópera: Marisa Letícia morreu em razão de um AVC hemorrágico grave, tão grave que nem a melhor equipe médica do país conseguiu reverter. E não faço nenhuma brincadeira com SUS ou com as famosas panelas, porque, como disse, “mors omnia solvit”, isto é, a morte resolve tudo, e tanto extingue a punibilidade que os autos em que era investigada serão arquivados. Resta-lhe a justiça divina, como a todos nós. (foto acima: EBC)
CLÁUDIO ANTONIO SOARES LEVADA
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mestre/USP e Doutor/PUCSP em Direito Civil. Professor e Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do Unianchieta. Professor da Pós-Graduação da PUCSP em Direito Civil. Diretor Jurídico da Associação Paulista dos Magistrados.