O ano só começa depois do carnaval, diz a máxima popular. Atire a primeira pedra quem nunca pensou assim. Mas quero falar menos do carnaval e mais sobre nossos comportamentos de adiar decisões ou ações importantes. Falarei sobre o hábito de procrastinar. Vem comigo…
Em geral, a procrastinação tem uma avaliação negativa das pessoas. É algo que não desejamos, mas sucumbimos a ela. Como consequência, sentimos culpa pela sua existência dentro de nós. Por isso, mais importante que julgar a procrastinação é compreender seu sentido, seu significado, ou seja, o que ela está tentando nos comunicar.
No dicionário, procrastinar significa “transferir para outro dia ou deixar para depois; adiar, delongar, postergar”. Na atual sociedade do desempenho e da produtividade, conjugar este verbo pega mal. Eu procrastino, tu procrastinas, ele procrastina… A questão é: este “adiamento” entra em cena, em resposta a quê?
Recentemente, atendi um trabalhador no plantão psicológico. Sua principal queixa era a dificuldade de parar de procrastinar. Segundo ele, tinha problemas com o peso desde a infância. Passou um período fazendo atividade física, se empenhou numa dieta regrada e manteve as pazes com a balança por anos. Entretanto, após sua promoção na empresa, tudo mudou. Parou de se cuidar e está engordando novamente. Segundo ele, a procrastinação o impede de retomar a dieta e os exercícios.
Ao ser perguntado sobre a rotina profissional, contou que trabalha 14 horas por dia. Além das 9 horas que fica no escritório, leva o notebook para casa e segue em home office, atendendo unidades fora do país com diferentes fusos horários. Me pergunto se ele estaria procrastinando os exercícios e a dieta, ou está apenas sobrecarregado.
A procrastinação pode se apresentar como um mecanismo de defesa. No caso dele, adiar os exercícios e os cuidados com a alimentação, no atual contexto, opera uma proteção contra o excesso de afazeres. Não cabe mais nada. Como está submetido ao tempo dos outros de forma tão inescapável, pelo menos uma coisa está sob o seu controle: adiar a si mesmo.
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Sabemos que isso não é bom. Como desdobramento, pode surgir um profundo sentimento de culpa, que responsabiliza o indivíduo pela procrastinação, inocentando o verdadeiro vilão da história, que é o excesso de trabalho ao qual está submetido. O adiamento, que parecia ser um alívio, converte-se em angústia e sofrimento.
Por fim, entendo a procrastinação como uma característica intrinsecamente humana. Não devemos alimentá-la nem negá-la. Desconfie de qualquer receita pronta, em forma de autoajuda. Apenas escutando atentamente o que a procrastinação tem para nos comunicar é que encontraremos alternativas criativas para conviver com ela, em harmonia, equilíbrio e, principalmente, livre de culpa.(Foto: Yaroslav Shuraev/Pexels)
MARCELO LIMÃO
Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP. Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042
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