O Senado Federal acolheu uma “ideia legislativa”, que recebeu mais de 20 mil apoios e foi transformada na “Sugestão nº 1 de 2024”. A ementa propõe que a prática da psicoterapia seja de carácter exclusivo da Psicologia e da Psiquiatra. Em tramitação na Comissão dos Direitos Humanos, a consulta pública já recebeu mais de 75 mil votos favoráveis e cerca de 19 mil desfavoráveis. Em breve, teremos alguma regulamentação específica, o que sinaliza um importante passo em defesa da saúde mental e proteção contra os psico-picaureutas, como explicarei mais adiante…
Caso esteja lendo a coluna e vivendo um momento em que a busca por apoio psicológico é uma possibilidade na sua vida, saiba que você precisa se proteger de armadilhas perigosas, camufladas por discursos sedutores, oferecendo atalhos que não o levarão a lugar algum. Nunca experimentamos uma época em que a saúde mental estivesse tão tensionada, desafiada, como nos dias atuais. E como parte desse sofrimento resulta de um aceleramento na dinâmica da vida, com consequente falta dos recursos “tempo” e “dinheiro”, muitas pessoas se tornam vulneráveis às promessas de cura imediata e barata.
Por exemplo: é possível ser psicanalista sem a formação em Psicologia? Sim, pois a profissão não é regulamentada. Mas a própria Psicanálise foi banalizada. Tradicionalmente, para ser um psicanalista você precisa estudar toda a teoria em uma escola de formação, por cerca de três anos e meio. Ao longo da formação, a pessoa deve fazer análise, em geral com psicanalistas da própria escola, além de realizar atendimentos, sob a supervisão de psicanalistas mais experientes.
Você está fazendo as contas? Pagar, todo mês, o corpo docente e a estrutura da escola de formação, pagar a própria análise semanalmente e pagar as supervisões. Isso por mais de três anos. Para nossos padrões é caríssimo. Com isso, nosso famoso “jeitinho brasileiro” foi acionado. A alternativa tem sido formações precárias, realizadas em seis meses no formato on-line. Sim, em seis meses a pessoa tem um certificado nas mãos e uma grande nuvem cinza na cabeça. Abre uma conta no Instagram e se diz “psicanalista”.
Se você acha que seis meses é pouco tempo para uma formação sólida, que habilite realizar intervenções na subjetividade de pessoas em sofrimento, ficará ainda mais surpreso. Também fomos inundados por falsos terapeutas que se dizem “consteladores familiares”. Chegaram, inclusive, no sistema judiciário e de saúde (SUS).
Como esta coluna é de opinião, vou dar a minha, com base na ciência: trata-se de um charlatanismo cínico e mórbido. Morbidade é tudo aquilo que causa doenças. A Psicologia, enquanto Ciência e profissão, não reconhece a constelação familiar como abordagem psicológica. Se você cair nessa, será atendido por psico-picareutas, com o perdão do trocadilho. São pessoas desqualificadas para manejar uma situação limite de crise ou surto, muito frequentemente disparadas pela própria prática.
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E não é só no Brasil. Recentemente, a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) julgou pertinente oferecer uma contribuição para a reflexão e o debate em torno da pseudociência na área da saúde mental. O relatório final concluiu que “a Pseudociência e as Pseudoterapias, praticadas por profissionais da saúde ou outros/as, constituem uma oferta disponível do mercado sem o apoio científico necessário que permita avaliar a sua segurança, validade e utilidade, embora se possam apresentar sob uma falsa aparência científica e uma pretensa finalidade em Saúde”.
Por fim, se quiser um atendimento psicológico qualificado, saiba que o Código de Ética dos Profissionais em Psicologia (CEPP) exige que, no caso de oferecer serviços em psicoterapia, cada profissional deve, obrigatoriamente, apresentar o número do registro profissional, o CRP, de forma clara. Fuja de quem oferece psicoterapias, sem tal referência.(Foto: Alex Green/Pexels)
MARCELO LIMÃO
Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP. Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042
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