RG do Latorraca? Falsidade ideológica gerada por terceiros!

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Em um dia de verão, nos anos 1990, a redação estava lotada de repórteres, máquinas de escrever e cinzeiros (a gente transformava o local em um pub inglês) aconteceu a história do RG fraudado. Os telefones estavam tocando, TV e rádios ligados, pois internet não era opção. Nada de Google — era na raça, e tinha que ir ao local para entrevistar, analisar, avaliar e questionar. Realmente em fatos reais e não nas vozes dos “tios do Zap”, como banalizado atualmente.

Uma das editorias mais cheias de pautas, sem dúvida alguma, era a de Polícia. E naquela redação do quase saudoso Jornal da Cidade, na Praça da Bandeira, com o letreiro na fachada exibindo a prévia da edição do dia seguinte, as notícias policiais eram campeãs de manchetes.

Quando fui para lá, em maio/junho de 1991, Marco Sapia — editor aqui do portal — era o setorista de Polícia. Ex-soldado do 12º GAC (Grupo de Artilharia de Campanha) de Jundiaí, dono de um bom texto, curioso e com aquele jeitão de investigador, ele tomou gosto pela narrativa policial. Não puxando o saco, mas o Marquinho manda bem em qualquer editoria em que atua.

Com tantos predicados, é difícil acreditar que ele surte, né?! Mas quem não surta? Ainda mais se eu estiver por perto: um atentado por natureza é bom tanto para o bem quanto para o mal…

O editor-chefe na época, o jornalista Alcir de Oliveira, alternava entre broncas e travessuras. Tá certo: homens nunca saem da 6ª série. Ele tinha uma coluna para fazer comentários do mundo artístico, com alfinetadas, mas também voltada para ações mais regionais.

Sapia tinha a mania de sair para cobrir assaltos, assassinatos, prisões e matérias especiais das forças policiais, e sempre deixava a carteira de documentos — sem dinheiro (pois somos jornalistas) — em cima da mesa, junto da Olivetti, máquina de escrever que, caso não conheçam, ficava tombada.

Eu chegava às 14h; naquele tempo, raramente me atrasava. Abri a porta da redação e o Alcir já estava lá, quando me chamou. Ele havia pegado o documento de identidade do Sapia, recortado uma foto do Ney Latorraca da revista Contigo — em que o ator usava uma camisa social vermelha — no formato 3×4 e fixado com cola bastão no RG do Sapia, que era em preto e branco.

Minha missão, caso aceitasse — e claro que aceitei — seria levar o documento ao setor de paste-up e “plastificar” com fita adesiva. Não pensei duas vezes (e lá eu penso para sacanear o coleguinha?). Munido do meu estilete, pois já tinha feito muito paste-up no Jornal de Jundiaí, peguei a fita adesiva larga, enquadrei, refilei e, com a “bundinha” do instrumento, tirei as bolhas de ar.

Subi para a redação, entreguei para o Alcir, que colocou novamente na carteira e a deixou em cima da mesa do Sapia.

Quinze dias depois, chego ao jornal no início do meu expediente, abro a porta e Marco se levanta da mesa, apoia as mãos no tampo, a veia saltada no pescoço e berra:

— SEU FILHO DA PUTA, SEU MORFÉTICO, LAZARENTO!!!

(O jeito carinhoso do Marquinho).

E eu, boiando, pois a brincadeira havia ocorrido há 15 dias e eu não lembrava nem o que tinha comido no almoço.

Sério, levei uns 30 segundos para processar. Por preservação da minha vida, fiquei de pé, com a porta semiaberta. Olhei para o fundo da redação, vi o Alcir rindo de ombro sacudido e lembrei.

— Ah, Marquinho, é sobre o seu RG? O Alcir colocou a foto do Ney Latorraca no lugar da sua. Bem melhor, pois a sua era preta e branca, estava ultrapassada.

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Alcir parou de rir. Eu perguntei:

— Mas você só viu hoje?

A descoberta foi inusitada. Sapia tinha de ir ao despachante. Chegou com os documentos, apresentou-os no balcão e o atendente disse:

— Este aqui não é o senhor, não.

Ele, que tem a paciência de um raio de Zeus, surtou ali mesmo e só foi contido quando descobriu que tinha sido vítima da falsidade ideológica causada por terceiros.

Ao fim da narrativa, começou a rir, achou boa a trollagem, não me espancou nem ao Alcir, mas gastou dinheiro, tempo e idas à Delegacia para emitir um novo RG. Pois, quando faço, faço bem feito…(Ilustração: ChatGPT/Miguel Édi Gomes)

MIGUEL ÉDI GOMES

É jundiaiense, tem 53 anos. É formado em jornalismo pela UniFaccamp e atualmente faz parte da equipe da Assessoria de Imprensa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

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