É isso que chamo de ROBUSTEZ PSICOLÓGICA!!!

robustez psicológica

Interrompi as crônicas que vinha compondo sobre as fragilidades diante da pandemia e optei por aproveitar o momento, respeitando minha formação que valoriza o contexto, que traz entre seus componentes o fator tempo. E esse tempo é o tempo olímpico. O momento em que os homens normais se emparelham aos semideuses da antiguidade, como em Olímpia, em propostas desafiadoras de limites extra-humanos, mas exercidas com primor e ousadia e robustez psicológica.

Talvez, os menos avisados se perguntem: “de que ele fala?”; mas é impossível alguém não saber, no século XXI, que estamos vivendo a primeira semana dos Jogos Olímpicos de Tóquio, versão 2020/2021. Todos os órgãos de comunicação social, em qualquer das mídias sociais, apresentam suas chamadas com notícias relativas ao maior evento esportivo do Mundo, indicando os ídolos, os vitoriosos e os demais participantes.

Ainda assim, talvez, alguns optem por dizer que não assistem esportes ou que não curtem campeonatos. Mesmo que isso seja fato, não posso deixar de dizer que, na atualidade, os Jogos Olímpicos mobilizam grande parte da economia mundial, ignorando o momento pandêmico em que vivemos. Isso é um fator a ser analisado noutro momento, mas faz sentido e imprime importância ao evento que monopoliza olhares internacionais. E vamos aos fatos.

No início da semana tivemos o primeiro ouro olímpico do Brasil, vindo por uma modalidade desacreditada e pela maestria de um atleta que teve seu início na distante Baía Formosa, no Rio Grande do Norte. Ítalo Ferreira(foto) cresceu numa família humilde, treinando na tampa de isopor de uma caixa de conservas. Superou muitas e todas as dificuldades propostas pela Vida, sem fazer mi-mi-mi. Sem ser um vitimizado. Ele sempre acreditou. Ele sempre lutou pela conquista que veio hoje, sem a pompa de outras modalidades coletivas, que se sentem superiores e soberanas.

A luta do surfista é diferente daquela dos demais atletas: enquanto alguns têm como adversário os times rivais, o surfista tem o adversário rival e a Natureza, com sua superioridade incomensurável e legítima. Como foi muito bem comentado, no decorrer da prova, o surfista luta contra as forças do mar que não tem piedade com seus desafiadores. Note que cabe ao surfista o ritual de ir e vir, aproveitando a onda até seu final de modo a usar seu corpo com uma resistência de gladiador. E faz série interminável, com mar gelado, bravo, batendo forte, inclemente, sem ter chance de descansar entre uma onda e outra.

Cabe o nome de semi herói, para estes atletas? Cabe a legenda de homens superiores? Sim, cabe. Estes são verdadeiramente os robustos psicologicamente, no esporte e na Vida. Mas analisem outro aspecto, que sempre fica oculto: semi-herói também é homem, portanto também chora. E como chora. Chora e sabe ser grato a tudo e a todos, como vimos o Ítalo Ferreira fazer. Nessa dimensão ele se supera e atinge as raias da superioridade humana e robustez psicológica: ser grato a tudo e ao seu próprio esforço.

Esta colocação feita acima aponta para uma das qualidades desejáveis e ensinadas aos bons atletas: reconhecer a ajuda dos outros, reconhecer a ajuda dos patrocínios, dos dirigentes mas não se esquecer de reconhecer a força dos adversários e a sua própria força. Perceber-se; enxergar-se; reconhecer-se. Isso sim é o máximo do humano que tenta ser melhor e que busca dar o melhor de si. Esse rapaz fez história não por ser o primeiro ouro olímpico no Surfe, nem por ser o primeiro ouro olímpico brasileiro. Ele fez história por se mostrar humano, acima de tudo e agradecido pelo seu esforço somado aos dos que estiveram ao seu lado. Coisa que poucos conseguem fazer.

Que mais? O nosso medalhista Scheffer, nadador que passou três meses sem piscina, para treinar. Ouvimos situações de atleta que treinou em açude, em função da restrição feita pela ordem sanitária de fechamento das piscinas. Também sem mi-mi-mi, sem desculpas, mergulhou e foi buscar o resultado, sem holofotes e sem glamour antecipado. Humildade acima de tudo e medalhas no peito. Não sei se digo “vai Brasil” ou “vai Scheffer”. Difícil chegar nessa dúvida.

O que dizer do Daniel Cargnin, que superou a Covid, que esteve afastado dos grandes campeonatos mundiais e que teve pouco tempo de um preparo olímpico, mas que conquistou um lugar no pódio? Ouvir que ele só queria estar ao lado da mãe e abraçá-la em agradecimento ao esforço realizado por ela, que se dedicou a formação do cidadão e do homem que veste quimono e luta com maestria, sem nenhum rompante de supremacia e estrelismo: um herói com traços humanos, que sabe o que é a dor da distância, o sofrimento da saudades, o impacto do sangramento e machucadura e a alegria em agradecer. Isso é ser homem, Cargnin. Isso é ser homem.

Tudo isso não se prende ao fator idade. Notemos que a skatista Rayssa Leal, no auge dos seus 13 anos, também colocou seu esporte no cenário onde antes só existia espaço para os coletivos e alguns poucos nadadores e corredores. Rayssa, com sua graça e leveza se permitiu até dançar no momento crucial da disputa da medalha. E chorou, no pódio, de alegria e gratidão, pelo caminho percorrido, ainda que não tenha compreensão plena do que aquilo representa, porque sua idade ainda não permite desvendar os mistérios que envolvem a política, a economia, a saúde e a cultura desse pobre país. Que lindo ver que a robustez psicológica permitiu que Raysa se mostrasse não só vitoriosa, mas humana. Não perdeu a inocência nem a leveza de ser menina. Fadinha? Menos….ela é real.

Será que nessa toada seremos capazes de perceber o tamanho dessa mulher chamada Marta? Comparada ao maior dos atletas do futebol masculino, é protagonista movimento que busca igualar o salário das atletas com o dos atletas, ou seja: luta para dizer que joga tanto quanto ou mais que muitos dos rapazes do futebol. Quantas outras atletas das nossas equipes somarão forças ao seu empenho? Marta tem credibilidade internacional, apresenta performance humana além da conta e sabe o que é ser atleta de um país de terceiro mundo cheia de notoriedade e brilho próprio.

Esta mulher, a melhor do mundo, enfrentou com firmeza a uma das mais cruéis doenças, sem perder o foco. Assume seu papel de mulher, de não branca, de homossexual, alagoana, origem humilde e não faz corpo mole nem chama holofotes: ela é luz. Ela é soberana; poderosa melhor do Mundo por seis vezes não se deixa amolecer diante de nenhum adversário. Não reclama, não faz poesia e não se deixa envolver em trapaças. Que exemplo de humanidade e de robustez psicológica. Poderosíssima. Essa é Marta.

E aquele que poucos assistem e poucos valorizam: nosso handebol feminino que vence com beleza, graça soberania e tranquilidade. Equipe segura, sem frufru, chega mostrando o resultado de um treinamento muito exaustivo e pouco valorizado. Lutaram com os mesmos percalços que a Covid pediu e pede (ainda) e não se vitimizam. Fazem mais do que isso: lutam, gritam, correm, arremessam, avançam, endurecem (sem perder a ternura), superam as dificuldades da modalidade (desprezada e ignorada pela imprensa nacional) e se conscientizam do humanismo essencial, sendo elas. Só sendo elas. Brilhem meninas, que o Brasil precisa de mulheres como vocês.

Nosso tênis feminino enfrentando apenas as pedreiras esportivas desta modalidade logo teremos o atletismo que nos proporcionará surpresas e alegrias (tristezas, possivelmente, também). Os jogos das seleções de vôlei, que nos assustam em alguns lances, mas estão se superando. Enfim, um grupo de humanos com robustez psicológica. Por que robustos, se estes exemplos acima citados não deram para ajudar na compreensão? Porque nossa equipe nacional tem se mostrado mais apta que muito político e cidadão curioso e famoso no enfrentamento de problemas.

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Estes acima citados e mais alguns que me debruçarei da próxima vez estão na luta pela vitória, mas isso significa que o desafio é maior: lutam para mostrar que num país que não dá valor à sua história, eles tentam fazer uma nova história e escrevem com seus suores e sangue. Eles sofreram e sofrem os mesmos medos e riscos que todo brasileiro sofre e sofrerá. A diferença está no fato de que eles aceitaram o desafio de se superar e acolheram a luta como uma chance de mostrar que podem fazer melhor.

Esta robustez psicológica se atinge com o treinamento que a Vida propõem e que alguns resolvem aceitar e desafiar: é um desafio pessoal, consigo mesmo e que reflete no coletivo. Estes acima citados não querem holofotes para si, mas para o pobre país que os acolhe e que os ignora, passado o evento esportivo. Parabéns atletas que merecem ser aplaudidos por mostrarem que é possível ter alto nível técnico-tático sem perder a natureza humana. Demonstraram a grandeza e a beleza de ser humanos, sem glamour, banhados em suor e lágrimas. Vocês nos representam, sim.(Foto: Jonne Roriz/COB)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Aluno da FATI.

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