SENTIR e SABER: difícil compreensão e frágil aplicação

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Saber ou sentir? Essa pergunta ressoa como um dilema atemporal, capaz de atravessar as eras com a mesma intensidade que atravessa as camadas do ser humano. Às vezes, sentimos algo tão profundamente que nos parece verdade. Outras, sabemos algo tão intensamente que ignoramos nossos sentimentos. Entre esses dois polos, onde está o equilíbrio? Como diferenciar o que pertence à emoção e o que pertence à razão?

Diferenciar sentir de saber é uma habilidade essencial para a vida, mas muitas vezes negligenciada. O sentir é visceral, imediato, como o calor de um raio de sol no rosto ou a dor aguda de uma perda inesperada. Já o saber é construído, fruto da reflexão, da experiência e do aprendizado.

Quando confundimos os dois, corremos o risco de agir impulsivamente ou de nos perder em uma racionalidade fria que ignora a complexidade das emoções humanas. Considere, por exemplo, uma decisão importante. Alguém sente medo ao pensar em mudar de cidade, mas sabe que essa mudança representa uma oportunidade única de crescimento pessoal e profissional.

Se essa pessoa não distinguir o sentir do saber, poderá interpretar o medo como um sinal de que não deve agir, ignorando os fatos que apontam para os benefícios da mudança. Aqui, reconhecer que o medo é um sentimento natural diante do desconhecido — e não necessariamente um indicador de perigo — pode ser a chave para seguir em frente.

Colocar em prática essa distinção requer um esforço consciente. O primeiro passo é pausar diante de uma situação e perguntar: “o que estou sentindo?” e “o que eu sei sobre isso?” Essa pausa permite explorar as emoções, mas também avaliar os fatos com maior clareza.

Depois, é essencial validar ambos os aspectos. Sentir medo, raiva ou amor não invalida o saber; assim como compreender algo racionalmente não anula o impacto emocional. Outra estratégia é desenvolver o hábito da reflexão após as situações desafiadoras.

Um diário, por exemplo, pode ser um espaço para analisar como o sentir e o saber influenciaram determinada decisão. “Agi movido pela emoção ou pela lógica? Como poderia ter equilibrado melhor os dois?” Esse processo não apenas fortalece a habilidade de diferenciar os dois domínios, mas também amplia a compreensão de si mesmo.

As vantagens de dominar essa distinção são inegáveis. Em primeiro lugar, ela nos torna mais assertivos. Saber reconhecer o que é um sentimento passageiro e o que é uma verdade concreta nos ajuda a tomar decisões mais informadas e equilibradas. Em segundo lugar, fortalece nossos relacionamentos interpessoais.

Quantas vezes conflitos são gerados porque uma das partes não distingue entre uma opinião baseada em sentimentos e uma análise objetiva dos fatos? Quando aprendemos a diferenciar sentir de saber, passamos a comunicar com mais clareza, evitando mal-entendidos.

Por fim, essa distinção nos torna mais resilientes. Diante de situações adversas, quem entende que sentimentos são transitórios é capaz de enfrentá-los sem se deixar consumir por eles. E quem reconhece o saber como uma âncora de estabilidade pode confiar nas próprias capacidades mesmo nos momentos mais turbulentos.

Há ainda outra dimensão a ser considerada: a relação entre sentir e saber no contexto social. Vivemos em uma época em que as opiniões emocionais ganham destaque nas redes sociais, muitas vezes eclipsando fatos e dados. Sentimos indignação, solidariedade ou entusiasmo por questões que nos chegam em pílulas de informação, mas raramente nos detemos para investigar se o que sabemos é suficiente para sustentar nossas emoções.

Essa confusão entre o sentir e o saber alimenta polarizações, perpetua desentendimentos e nos distancia da compreensão profunda dos temas que realmente importam. Nesse sentido, o exercício de diferenciar essas dimensões também é um ato de responsabilidade coletiva.

Imagine como seria o debate público se as pessoas tivessem clareza sobre os sentimentos que movem suas opiniões e o conhecimento que sustenta suas convicções. Haveria mais diálogo, menos agressividade, mais escuta e menos julgamento. Afinal, compreender não significa concordar, mas estar disposto a considerar o outro em sua complexidade — algo que exige tanto saber quanto sentir.

E como integrar essa distinção no cotidiano? Praticar a empatia é uma excelente forma de exercitar esse equilíbrio. Quando nos colocamos no lugar do outro, percebemos que suas emoções têm razões que nem sempre compreendemos de imediato, mas que podem ser legitimadas.

Ao mesmo tempo, exercitamos o pensar crítico ao nos perguntar: “O que eu sei sobre essa situação que pode me ajudar a responder melhor?” Esse movimento duplo — de validação emocional e análise racional — nos aproxima da sabedoria.

A prática desse conhecimento é como um treinamento para a mente e para o coração. Exige paciência, autocompaixão e um desejo genuíno de evoluir. Não é fácil, mas o resultado é uma vida mais rica, mais equilibrada e, acima de tudo, mais consciente. Saber e sentir são partes fundamentais do que nos torna humanos.

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Diferenciá-los não é escolher entre um e outro, mas aprender a integrá-los, permitindo que cada um tenha seu lugar e sua voz no palco de nossa existência. Ao fim do dia, não há maior sabedoria do que reconhecer que sentir e saber, embora distintos, não precisam estar em conflito. Eles são parceiros na nossa jornada, e quando aprendemos a honrar ambos, abrimos as portas para uma vida mais plena, conectada e verdadeira.

Essa integração não é apenas uma habilidade pessoal, mas um legado que podemos deixar para as futuras gerações: um mundo onde o sentir e o saber coexistam em harmonia, guiando nossas escolhas e construindo uma sociedade mais justa e empática.(Foto:  Галина Ласаева/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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