Era um bar movimentado, cheio de risos, copos que tilintavam e conversas que se sobrepunham. Entre as mesas, um jovem sentado ao canto mexia no celular, os olhos fixos na tela como se ela fosse a única janela para um mundo que o compreendia. À sua volta, amigos riam, chamavam o garçom, faziam selfies. Ele sorria para as fotos, mas retornava à tela logo em seguida. Ninguém parecia notar que ele estava ali, mas não estava realmente presente. O jovem estava em solidão mesmo acompanhado de um grupo de colegas.
No mundo atual, a presença física se tornou um simulacro de conexão. Estamos rodeados de pessoas, mas cada vez mais distantes. Em um vagão de metrô lotado, corpos se espremem, mas as mentes vagam em silêncio, concentradas nas telas ou nos pensamentos. No trabalho, os colegas compartilham um espaço, mas dificilmente compartilham suas emoções.
Até mesmo nas reuniões de família, é comum ver primos e tios sentados lado a lado, imersos em conversas com pessoas que estão a quilômetros de distância. Vivemos na era da hiperconectividade, mas também da hiperindividualidade. As redes sociais prometem nos manter perto de todos, mas, paradoxalmente, criam um abismo invisível.
Observamos a vida dos outros através de filtros e molduras cuidadosamente construídas, enquanto escondemos nossas próprias fragilidades. Postamos fotos sorrindo, compartilhamos vitórias, mas não temos espaço para as derrotas ou para a tristeza. Isso gera uma nova forma de solidão: a solidão comparativa. Olhamos para o que os outros mostram e sentimos que estamos desconectados de um ideal que talvez nem exista.
Mesmo em um grupo de amigos, a sensação de “estar à parte” prevalece, porque não é a quantidade de pessoas à nossa volta que determina a conexão, mas a profundidade dos vínculos. Quando foi a última vez que você teve uma conversa sem interrupções com alguém? Uma conversa onde o celular ficou na bolsa, onde as palavras não foram apressadas? Talvez não seja uma lembrança frequente. Estamos perdendo a capacidade de estar presentes para o outro e, como consequência, de sermos vistos.
Solidão não é apenas estar sozinho. É a ausência de significado nos encontros. Quando estamos em um grupo, mas nossas ideias e sentimentos não encontrarem eco, sentimos a pior forma de isolamento: aquela onde não é o mundo que nos ignora, mas as pessoas que estão à nossa frente.
No Carnaval, quando as ruas explodem em cores e música, muitos dizem sentir uma estranha tristeza. No meio da multidão, há aqueles que carregam o silêncio interno como um fardo. Estão lá fisicamente, mas a mente vagueia em busca de algo que não pode ser encontrado na superficialidade de um bloco ou de uma festa.
Essa sensação não é exclusiva de grandes aglomerações. Pode estar na rotina do dia a dia, nos encontros que se tornam automáticos, nas mensagens respondidas por obrigação e nos abraços que não passam de gestos vazios. A solidão, nesse contexto, não é uma questão de estar fisicamente só, mas de estar emocionalmente isolado.
A multidão, com toda a sua efervescência e celebração, pode acentuar o contraste entre a alegria externa e a solidão interna. A busca por pertencimento e conexão, muitas vezes, é abafada pelo barulho e pela pressa que envolvem esses momentos. O silêncio interno, portanto, não se dissolve com a agitação do ambiente, mas se torna mais evidente, como um eco em um espaço vazio.
É nesse paradoxo que muitos se perdem, tentando se encontrar em meio à explosão de sons e movimentos, sem compreender que a verdadeira conexão começa no silêncio, onde as emoções podem ser ouvidas e compreendidas.
No entanto, essa sensação de solidão não é algo absoluto. Ela pode ser um reflexo de um distanciamento maior daquilo que realmente importa. À medida que nos afastamos de nós mesmos, em busca de validação ou da aceleração da vida cotidiana, o silêncio interno tende a se expandir. Contudo, se tomarmos um momento para escutá-lo, podemos redescobrir a quietude necessária para a reflexão e o reencontro com nosso próprio ser.
A chave está em aprender a transformar esse silêncio, não em uma ausência, mas em um espaço de crescimento e de autodescoberta. Para sair dessa bolha de solidão no meio da multidão, precisamos reaprender a arte da escuta e da presença. Perguntar “Como você está?” com o real interesse de ouvir a resposta. Compartilhar não apenas as conquistas, mas também as angústias. Trocar as telas pelos olhares e os likes pelos gestos sinceros.
Talvez seja necessário, inclusive, aceitar que a solidão faz parte da condição humana. Que estar só às vezes é inevitável, mas que isso não precisa ser permanente. O que transforma a solidão em conexão é o movimento de estender a mão – e também de aceitar a mão que nos é oferecida.
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No fundo, o estar só em grupo reflete mais sobre nossa relação com nós mesmos do que com os outros. É possível encontrar pessoas que sentem uma profunda conexão com o mundo mesmo na solidão. Elas aprenderam que a multidão não preenche o vazio interno, mas também que estar em grupo pode ser mais leve quando se aceita a própria individualidade.
No fim da noite, o jovem do bar colocou o celular no bolso e sorriu para os amigos. Pela primeira vez, levantou o olhar e viu não apenas pessoas, mas rostos. Talvez tivesse percebido que a conexão que buscava nunca esteve na tela, mas na presença real. Talvez, apenas por um momento, ele deixou de estar só. Em tempo: sugiro a leitura do livro “Noite”, de Érico Veríssimo…(Foto: Göksu Taymaz/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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