Meu parceiro e minha sogra moram em Campo Limpo Paulista e essa sempre foi a cidade que me despertou uma proximidade familiar. Por frequentar Campola desde 2017, tive muito tempo para ouvir histórias. Algumas delas giravam em torno de uma casa exótica, artística, na época em que minha família interiorana de duas pessoas morava em um bairro no meio do mato (sempre tive muita dificuldade de lembrar nomes de bairro, portanto me atentava apenas ao fato de ser no meio do verde). Ouvi sobre as vezes em que meu parceiro, na época uma criança bem jovem, brincava em um quintal onde havia um enorme tabuleiro de xadrez! Também ouvia sobre um casal muito doce e talentoso que residia esse lugar, e tinham um ateliê extraordinário. Essas crônicas cotidianas pairavam sobre minha vida pois minha sogra era vizinha de Tao Sigulda e da esposa dele.

Além dessas histórias enigmáticas que apareciam aqui e ali, havia uma peça que ligava esses contos de outrora com o presente: a escultura de um homenzinho feito de engrenagens metálicas no quintal da minha sogra – um guardião. Quando perguntei, me disseram que era de Tao, o antigo vizinho. Para mim, uma entusiasta da arte, mesmo sabendo pouco já achei incrível o que esse Tao era e fazia.
Corta para anos depois. Fiz um curso sobre produção cultural que fiz no Sesc com o professor Gustavo Koch. Ele apresentou um clipe com vários exemplos. No meio da apresentação havia imagens de um ateliê lindíssimo! No lugar havia peças absurdamente lindas e aquela energia pitoresca. Eu sabia que Koch atua em todo lugar do Brasil e hoje do mundo. Deduzi que seria em uma locação bem longe de Jundiaí. Foi quando Gustavo revelou o nome do artista: Tao Sigulda. Recebi a informação com surpresa e alegria. Meu parceiro já tentara mostrar o ateliê, mas apenas conseguíamos passar na rua, ver de fora já que o espaço se encontrava fechado. Era a primeira vez que tinha um vislumbre de como realmente aquele lugar era.
Até esse sábado isso era tudo que eu tinha, mas graças ao esforço de artistas e articuladores culturais, as portas desse centro cultural tão rico foi reaberto. Foi celebrado o QuarenTao, a festa dos 40 anos do ateliê de Tao e Tama Sigulda. E só de lembrar de tudo que vi e senti já me enche a alma por diversas razões!
Devo relembrar primeiramente que o desenvolvimento cultural de Campo Limpo Paulista se encontra em uma situação deplorável. E isso não se deve aos servidores (que muitos eu conheço), mas sim em relação às verbas, aberturas para fomentar a cultura na cidade. Portas que antes eram abertas aos artistas e produtores locais hoje não se encontram na mesma a situação. No QuarenTao não foi diferente: o evento foi articulado pelos próprios artistas e teve apenas o apoio da Prefeitura, que forneceu algumas coisas. E que significativo foi ver que, com organização e muita vontade da comunidade, uma celebração com esse nível de excelência pôde ocorrer.
Já sobre esse espaço que esperei tantos anos para conhecer, devo dizer: nem todas as palavras reportadas que já usaram para descrever me prepararam para aquilo. Um jardim lindo, com pés de frutas cítricas carregados e grama recém-podada. Construções também recentemente pintadas de branco, trazendo uma energia que parecia algo entre uma construção grega clássica e um design reto, brutalista. Um mutirão foi realizado para a pintura. No chão do quintal de concreto finalmente pude ver com meus próprios olhos o tabuleiro de xadrez que o amor da minha vida brincou quando era criança. E protegendo as portas do ateliê encontrei os dois irmãos daquele guardião solitário que vejo todo domingo ao visitar minha sogra. Eles guardam toda aquela preciosidade.
Não sei como era na época em que aquela grande sala era o paraíso particular apenas do casal, mas devo dizer que, se ambos pudessem ver hoje, ficariam contentes. As obras originais dos dois ainda estavam lá, as muitas fotografias também. Agora também há um espaço para novos artistas, pessoas que produzem e vivem da arte atualmente. Vi fotografias, telas de pessoas em que eu frequento a casa, vi obras de outros que diversas vezes troquei ideia. Como é satisfatório ver essas peças ganhando a notoriedade que merecem! Cada parede era como se fosse uma crônica da arte local, e que mesclava todas essas vidas – eu vi o passado conversando de forma tão confortável com o presente, e que por consequência instantaneamente já passei a vislumbrar o futuro, os artistas que estão por vir.
Sobre aquele tabuleiro de xadrez também vi coisas que me deixaram orgulhosa de residir por aqui: vi Jazz Orquestra, discotecagem, teatro! Peça inclusive dirigida e escrita por alguém que sou amiga e fã, o Tiago Pinheiro.Tantas manifestações artísticas e tão variadas que não me contive e chorei.
Caí em prantos, mas era por um bom motivo. É que para mim, não há nada mais lindo que ver a articulação, interação entre pessoas interessadas em manter o movimento cultural, mas para mim aquele sábado foi ainda mais especial pois vi muitos rostos conhecidos, e rostos estes que eu conheci em diversas ocasiões diferentes, pessoas que não necessariamente se conheciam entre si, e é isso que é mais lindo! Indivíduos de diversos nichos ali, pela a arte. Ouvi gente relembrando as visitas ao Centro Cultural na época da escola, vi olhos mirando cada canto daquele lugar com um toque de nostalgia. Senti a energia de saudade que tanta gente emanava.
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Segundo a organização do evento, a ideia é fazer mais eventos no Centro Cultural Tao e Tama Sigulda. Tudo que espero é que assim seja! Campo Limpo Paulista e Jarinu (região onde ele se encontra) é uma região que merece ser exaltada. Tao e Tama saíram da Letônia e por algum motivo escolheram lá. Fiquei curiosa sobre o motivo, confesso. Após um tempo percebi que a motivação pouco importa. O importante é que ali eles escolheram, dia após dia ficar, envelhecer. O mínimo que nós podemos fazer é manter esse espaço tão significativo.
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A quem presenciou, que experiência foi, não é mesmo? A quem organizou e trabalhou, meus mais sinceros parabéns! A quem não foi, que não perca a próxima oportunidade.

ANNA CLARA BUENO
De nome artístico Anubis Blackwood, é drag queen, artista performática e visual, professora de inglês, palestrante e produtora cultural. É membro do coletivo Tô de Drag, o primeiro de arte drag de Jundiaí e região. Colabora com o ‘Grafia Drag’, da UFRGS. Produz o festival Drag Vibes em colaboração com o coletivo, para democratizar a arte drag, mostrar sua versatilidade e levá-la a espaços e públicos novos por meio de performances plurais e muito diálogo.
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