A manhã do último dia 13 ficará marcada na memória de Jundiaí — e, infelizmente, não por uma boa causa. O lago do Parque Botânico Tulipas tingiu-se de azul que não brota da natureza. Dois mil litros de Verde de Malaquita, um corante químico que entidades como a Agência Europeia de Substâncias Químicas (ECHA) chegaram à agua e atingiu animais. O corante é classificado como uma substância perigosa quando não devidamente controlada. Controle não houve nesse momento atroz: o líquido despejou-se abruptamente, envenenou as águas, matou peixes e desalojou aves.
Estudos indicam que, em altas concentrações, esse corante de cor extremamente vibrante pode ser carcinogênico, mutagênico e altamente tóxico para organismos aquáticos — informação que surpreende poucos ao vermos as fotos do acidente, exibindo um lago de tom quase radioativo.
Por conta de uma falha mecânica, o caminhão — que nem sequer tinha um motorista dentro no momento do acidente — bateu em um poste, derramando todo o líquido que se assemelha mais a um azul de tinta escolar. Gostaria eu, dessa vez, de estar cedendo à liberdade criativa, adicionando palavras dramáticas para causar efeito. Mas, infelizmente, é a cor que o lago assumiu após o ocorrido. Dizer que parece uma tinta de baixa concentração, como as usadas para fins amadores, talvez seja até mesmo um eufemismo.
Segundo Juliana Oliveira, advogada e presidente do Coletivo Japy, as empresas envolvidas possuem um dever legal de prestar auxílio ao caso, já que a legislação exige que causadores de danos ambientais sejam obrigados a reparar integralmente os prejuízos, independentemente de culpa, conforme consta na Lei nº 6.938/81, dentro da Política Nacional do Meio Ambiente, assim como no artigo 225 da Constituição Brasileira. Mas acredito que não para por aí: nós, munícipes, também temos que nos manter vigilantes para que essa circunstância seja tratada com a atenção e urgência que merece.
Aqui friso ainda mais a importância de nos mantermos atentos, já que surgiram alegações de que a situação não apresenta grandes níveis de periculosidade, pois o corante “não apresenta toxicidade”, podendo ser usado inclusive em rações de peixes. Acontece que, em altas concentrações, o produto pode, sim, ser altamente tóxico. Certamente o peso de 2 mil litros de corante em um lago nem tão enorme assim não foi considerado ou ponderado ao se alegar que não seria nocivo. Por tamanha escala, nos encontramos sem as devidas informações sobre os efeitos a médio e longo prazo.
Apesar de todo o infortúnio, sei que há profissionais dando tudo de si para melhorar esse tenebroso cenário. Dias atrás, houve tentativa de conter a situação com o uso de caminhão-pipa, que não foi suficiente. Segundo relatos do Coletivo Japy, fornecidos no dia 28, após a falha houve a realização de uma drenagem ao longo de toda a extensão do lago, com o objetivo de mitigar os danos.
Por mais que haja ações de combate realizadas majoritariamente pela Associação Mata Ciliar junto da Defesa Civil em relação a todos esses efeitos tão nocivos para a terra, para a vida hoje no parque, não podemos esquecer que esse não é um problema de hoje, mas do futuro também. Existem diversos dados que evidenciam impactos invisíveis aos olhos, mas persistentes no habitat, como alterações na cadeia alimentar e bioacumulação de toxinas — e esses podem perdurar por anos.
Dessa forma, é expressamente importante que possamos analisar todo esse caso com questionamento: possuímos atualmente o devido preparo das empresas do setor de transportes em relação a substâncias potencialmente perigosas? E mais: o processo de ações de mitigação de problemas desse escalão é tão rápido quanto deveria ser?
É de grande melancolia e contrariedade perceber que algo assim aconteceu justo na cidade que tem um título originário do tupi com significado de “Rio dos Bagres”, além de possuir uma serra com o nome de “nascente de rios”, como é o caso da Serra do Japi. Por isso, espero que todos que chegarem até aqui considerem tratar esse caso com o cuidado milenar que ele merece.
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Que esta cor tóxica sirva de sinal, não de paisagem: é urgente que empresas assumam a responsabilidade integral por cada litro que transportam; que o poder público vá além do paliativo; e que a sociedade civil continue vigilante, como fez o Coletivo Japy. Porque a vida que pulsa nos lagos urbanos não é descartável, nem substituível. Cada peixe morto, cada pato desalojado, é um lembrete de que os ecossistemas são frágeis e finitos — e cabe a nós decidir se continuaremos tingindo-os de morte ou se, enfim, aprenderemos a preservá-los.(Foto: Mata Ciliar Jundiaí)

ANNA CLARA BUENO
De nome artístico Anubis Blackwood, é drag queen, artista performática e visual, professora de inglês, palestrante e produtora cultural. É membro do coletivo Tô de Drag, o primeiro de arte drag de Jundiaí e região. Colabora com o ‘Grafia Drag’, da UFRGS. Produz o festival Drag Vibes em colaboração com o coletivo, para democratizar a arte drag, mostrar sua versatilidade e levá-la a espaços e públicos novos por meio de performances plurais e muito diálogo.
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