A moça, com o terço nas mãos, mandou mensagem sobre não participar da reunião naquela semana. O marido, que trabalha como motorista de aplicativo, foi assaltado durante o trabalho. Largaram-no longe e não o achavam. Levaram o cartão e fizeram transferência do pix da conta. Segundo ela, os deixaram “liso de tudo”.
Gosto dos dois e dos filhos. Conheci-os através da mãe dela. Gente que, embora carregue algumas cicatrizes em sua história, permanece na esperança e se alegra com as pequeninas coisas.
Não sei o motivo, mas ele me parece estar sempre no ritmo de rap. É profundo no que diz. Um dia desses escreveu: “Eu sobrevivi (até aqui)… Sigo tranquilo, eu nunca tô no estresse”.
Lê bastante, pelo jeito, e cita pensadores. Para ele, o tempo mais nobre está na memória.
Gosta de contos com sabedoria. Publicou em seu Facebook o da sacola de batatas. O professor pediu aos alunos que separassem uma batata para cada pessoa que os magoara e escrevessem nela o nome do ofensor. Durante uma semana, deveriam carregá-la para onde quer que fossem. Com o tempo, foram se estragando e era incômodo carregá-las o tempo todo, pelo peso e o mau cheiro. Além disso, a preocupação em não esquecê-la em lugar algum fazia com que deixassem de prestar atenção em outras coisas que eram importantes para eles. E foi assim que os alunos entenderam a lição de que carregar mágoas é tão ruim quanto carregar batatas pobres.
“Quando damos importância aos problemas não resolvidos ou às promessas não cumpridas, nossos pensamentos enchem-se de mágoa, aumentando o estresse e roubando nossa alegria. Perdoar e deixar estes sentimentos irem embora é a única forma de trazer de volta a paz e a calma” – diz ele.
Em relação à esposa afirma: “Vi o amor da minha esposa em um pequeno gesto de olhar. Sempre soube no que ia dar…” Fantástica a colocação: “gesto de olhar”. O olhar realmente acena e fala. Considera-se abençoado e louva o Senhor.
Constata que é fundamental se colocar no lugar do outro para entender como a engrenagem da vida funciona.
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Creio que escreveu ou copiou após o assalto: “Por que toda essa covardia comigo? / Moleque bom ajuda o que é preciso / Tô trabalhando e sustento meus filhos / Deixa o meu cavalo andar / Não vou parar, vou prosperar / Vou avançar, oi, pra sempre continuar… / O que é meu é meu, o que é seu é seu…”
No dia seguinte ao assalto, a esposa me disse: “A senhora acredita que o bairro que abandonaram ele se chama Nossa Senhora Aparecida, a Padroeira? Os ladrões levaram até nosso terço, que estava no carro. Ele é muito devoto de Nossa Senhora Aparecida. Queriam amarrar ele, mas mudaram de ideia”.
Recordei-me, na hora, da canção do Roberto Carlos: “Com o terço na mão / Peço a vós, minha Virgem Maria, / Minha prece levai a Jesus…”
Semana passada, a sogra, com um sorriso de satisfação, me contou que ele levou o terço dela.
Amo essa gente de luta e de coração transparente que enxerga os acenos do Céu e é das pequeninas coisas.(Foto: Karolina Grabowska/Pexels)

MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE
É professora e cronista
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