A última sessão da Câmara Municipal de Jundiaí, terça-feira(18), teve réplica e tréplica para aqueles assuntos que levam a lugar nenhum. Kauã Martins, ativista do movimento LGBT+ e integrante do Cais Samy Fortes, foi à Tribuna Livre usou o pronome neutro todes e rebateu declarações do vereador Rodrigo Albino(PL) feitas na sessão anterior(11). “Ele fez ataques à comunidade, ao gênero neutro, afirmando que estamos indo contra as regras gramaticais. Ele nos chamou de ‘povinho’. Foi uma tentativa falha de disfarçar o preconceito atrás das normas da Língua Portuguesa, que é viva e vem se modificando para acompanhar os avanços da sociedade. Ou continuamos a falar ‘Vossa mercê’ como se estivéssemos em 1.700? A palavra ‘você’ a substituiu em 1.815. Os demais vereadores se mantiveram em silêncio e escolheram não se opor à LGBTfobia e defender uma comunidade oprimida. Tirem o preconceito de vocês do nosso caminho ou iremos passar por cima”, disse ele. As palavras de Kauã deram direito à tréplica de Albino. O parlamentar, além de dizer mais uma vez que pronomes neutros não existem, enfatizou que o uso deles faz parte de uma guerra ideológica. Rodrigo falou ainda que a militância LGTB+ precisaria lutar por questões sérias e citou várias mulheres que seriam de fato ‘resistentes’ ao contrário dela. “Vocês não têm resistência porque nem prestobarba têm coragem de usar. E neutro é sabão”, concluiu ele, levantando uma barra do produto de limpeza(foto).
Começando do começo: as declarações do parlamentar ocorreram na sessão em que a Câmara homenageou várias mulheres, entre elas uma mulher trans, Samy Fortes, falecida no começo de janeiro deste ano. Foi a primeira vez que o Legislativo homenageou uma trans. Naquele dia, o Rodrigo disse que respeitava a opinião e opção de cada um. “Porém, não sou obrigado a aceitar pronome neutro. Isto é o fim. Isto é um escárnio. Há 17 anos, o Brasil é um dos países que lidera o ranking de assassinato de pessoas trans. Ou seja, no governo Lula. Colocam o fascismo na conta do Bolsonaro, mas o pior aconteceu no governo Lula. Não tem que ter violência. Não tem que ter mortes. Mas falar de ‘filhes’… Existe ‘filho’, ‘filha’. ‘Filhes’ é na cadeia”. O vereador Henrique Parra Parra(PSOL) pediu a palavra em seguida para alertar que Rodrigo estaria descumprindo acordo firmado por todos vereadores para deixarem este tipo de debate para depois da votação dos projetos. Albino respondeu que não participou de nenhum acordo. Minutos depois, quando um projeto de sua autoria seria votado, o vereador do PL voltou a falar sobre pronomes neutros. “Uma coisa é a pessoa querer ser chamada de determinado jeito. Outra coisa é quererem enfiar goela da sociedade abaixo, como esse povinho faz. Isso eu não aceito, eu não admito. Respeitem o nosso idioma”, afirmou.
Segundo relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), lançado no final de janeiro último, em 2017, ano em que a instituição começou a fazer o levantamento, foram 167 crimes. O presidente era Michel Temer. Em 2018 foram 168 crimes. Temer ainda era presidente. Em 2019, já no governo de Jair Bolsonaro, foram registrados 115 homicídios. No ano seguinte, 173. Em 2021, 138. No último ano de Bolsonaro ocorreram 124 mortes. Em 2023, já no governo Lula, a Antra afirma terem sido registrados 139 assassinatos.

Segundo a Agência Brasil, em 2016 foram 343 mortes. No ano anterior, 318 mortes. Em 2014 e 2013, 218 e 313 mortes, respectivamente. O Grupo Gay da Bahia (GGB) divulgou que em 2012 foram 336 vítimas no país todo. Um ano antes, 278 ocorrências. Em 2010 ocorreram 310 assassinatos no país. No ano anterior foram 198 mortes, também segundo o CGB. O Jundiaí Agora não encontrou estatísticas relacionadas ao ano de 2008 para retroagir inteiramente ao período citado pelo vereador. Lula foi presidente de 2003 a 2010. Dilma Rousseff, de 2011 a agosto de 2016. Michel Temer foi presidente de 2016 a 2019. Em 2020, Jair Bolsonaro assumiu a presidência. Lula retornou ao Palácio do Planalto em 1º de janeiro de 2023. É óbvio que durante os dois primeiros mandatos de Lula tenham ocorrido mais crimes. Ele ficou oito anos na presidência, coisa que não aconteceu com Temer, Dilma e Bolsonaro.
Rodrigo Albino está correto quando afirma que os pronomes neutros não existem oficialmente. Assim como está correto Kauã que, na tribuna, lembrou que o idioma é vivo e evolui. Se a preocupação de Albino é com o idioma, seria de bom tamanho que os ataques dele também mirassem os colegas vereadores que literalmente ‘assassinam’ a língua de Camões todas as terças. Inclusive ele próprio, que na mesma sessão do dia 11 repetiu a palavra ‘hipocresia’ várias vezes. Se o vereador quer afastar termos estranhos ao idioma, poderia ter feito algo parecido com a ação do Senado francês, em 1994, que aprovou lei proibindo o uso de qualquer palavra ou expressão estrangeira em TV, rádio, anúncios, letreiros, transportes coletivos, lugares públicos e contratos de trabalho. Em 2022, o mesmo país proibiu o uso de termos em inglês relativos a games. Mas Albino não poderia fazer isto. Vereadores não têm esta competência. Então, por que tanta polêmica a ponto de não bastar o uso dos microfones da Câmara de Jundiaí e também produzir vídeo editado para divulgação no Whatsapp e redes sociais? Talvez a justificativa do projeto de lei 5198, de 2020, do deputado federal Junio Amaral (PL-MG), explique. A proposta proíbe expressamente o uso de flexões de gênero e número, o chamado gênero neutro, por instituições de ensino e bancas examinadores de seleções e concursos públicos. Em sua justificativa, a linguagem neutra seria um “enviesamento político-ideológico” e “uma visão distorcida da realidade e que, no fundo, tem como objetivo principal provocar caos amplo e generalizado nos conceitos linguísticos para que, em se destruindo a língua, se destrua a memória e a capacidade crítica das pessoas”. Difícil imaginar como alguns pronomes teriam tamanha capacidade. Parece que o deputado é um vtzeiro, vivendo um cringe, tentando emplacar um fail, uma fake news, e que vem conseguindo bugar a cabeça de todos. Por que expressões como estas também não incomodam os ouvidos dos detratores dos pronomes neutros? Até o momento, nenhum político teve chilique por conta destas gírias e os mais novos provavelmente até costumam usá-las.
Quando Albino afirma que “vocês não são resistência porque nem prestobarba têm coragem de usar” – embora uma declaração sem pé nem cabeça – ele está atacando, entre outras, Samy Fortes, considerada um dos ícones locais da comunidade LGBT+. Samy fez parte do Movimento Aliados por anos, a ONG responsável pela Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Jundiaí e pelo Mês da Diversidade. Foi idealizadora e presidenta do CAIS (Centro de Apoio e Inclusão Social para Travestis, Transexuais e Pessoas em Vulnerabilidade), organização essencial para nossa cidade que preza por acolher a comunidade de diversas formas. Dentro do CAIS, ela criou o EducaTrans, cursinho popular inclusivo e gratuito, sem processo seletivo, que promove a escolaridade de pessoas trans e travestis, preparando-as para faculdades, concursos públicos e o mercado de trabalho.
Dependendo da interpretação, ao mostrar uma barra de sabão e dizer que só o produto é neutro, o vereador poderia responder pelo crime de LGBTfobia, caracterizado pelo sentimento exagerado de aversão, intolerância ou rejeição; ação ou omissão preconceituosa ou discriminatória ou manifestação de piadas, apelidos ofensivos, ou qualquer tentativa de ridicularizar a orientação sexual ou identidade de gênero. Ao que tudo indica, a comunidade da cidade já está se movimentando neste sentindo. Aqui cabe voltar até agosto de 2023, quando a Secretaria Estadual de Justiça e Defesa da Cidadania condenou o ex-vereador Douglas Medeiros por causa de um comentário homofóbico numa postagem dele no Facebook. Medeiros, na época, fez uma vaquinha para conseguir pagar a multa de R$42.131,11. Arrecadou só a metade.
Importante lembrar que a Aliança Nacional LGBTI+ e a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas apresentaram ao Supremo Tribunal Federal(STF), em maio do ano passado, um conjunto de 18 processos contra leis municipais e uma lei estadual que proibiram o uso de linguagem neutra em seus territórios. A lei 9.880, de autoria do vereador Juninho Adilson(União Brasil), é uma das apontadas pela Aliança e já tinha sido declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Antes, o então prefeito Luiz Fernando Machado havia vetado a proposta. Os vereadores derrubaram o veto para “proibir aos órgãos públicos municipais e às instituições de ensino, bancas examinadoras de seleções e concursos públicos, a utilização de novas formas de flexão de gênero e número de palavras em contrariedade às regras gramaticais consolidadas e aprovadas pela Comunidade Lusófona(que fala a língua portuguesa)”. Para quem não respeitasse a norma seria aplicada advertência e, em caso de reincidência, suspensão do alvará de funcionamento de estabelecimento. Servidores públicos que desrespeitassem a lei e não comunicassem a autoridade poderiam ser punidos conforme o Estatuto dos Funcionários Públicos Municipais.
Então, lá vão algumas perguntas para todos, todas e todes vereadores: por que perder tempo com este tipo de discussão? Os preciosos minutos gastos com esta conversa não poderiam ter sido usados em debates necessários para Jundiaí? A população precisa disto ou são seus eleitores que se deleitam com essa papagaiada? Vereadores, se um dia o gênero neutro for aceito, todo mundo terá de usá-los. Goste ou não. Aceite ou não. Se ainda estiverem na Câmara quando isto ocorrer, façam moções de repúdio. Enquanto a linguagem neutra não é adotada, é desnecessário subir no caixotinho para confrontar um grupo de pessoas que trabalha, paga impostos, têm famílias, sonhos e medos. Pessoas, aliás, que têm direito de serem felizes, assim como os conservadores. Quem discorda destas verdades incontestáveis que procure um psicólogo…(Marco Antônio Sapia)
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