Alinhar os objetivos de vida e de relacionamento é uma tarefa complexa, porque demanda muita faxina na memória, visto que estamos sempre em mudanças e transformações, necessárias para a evolução, e buscamos sempre aquilo que venha a nos completar num determinado momento. Se analisarmos nossas escolhas, perceberemos que não é raro que escolhemos aquilo que nos convêm agora, sem dar muita atenção ao passado.
Talvez seja este o motivo de tantas reviravoltas, perdas, dores: não investigamos o nosso próprio passado, e escolhemos como se estivéssemos começando um livro do zero. Apagamos da memória as dores e os escorregões, deixando que nossa memória de longa duração não tenha acesso àquilo que não nos foi útil tão pouco agradável.
Sim, isso é ruim e confuso, porque somos uma longa história e, assim sendo, tivemos um passado, um hoje e teremos um futuro. Sem uma parte de nossa história de vida, edificaremos sobre areia e esta construção já começa com tudo para não dar certo. Será que sempre teremos tempo a perder? Será que seremos sempre negligentes conosco? Será que nosso passado foi tão inútil assim?
De saída começo a refletir que não: nossas escolhas anteriores são fundamentais para nossas escolhas atuais e futuras, visto que a Vida é sequente. Não há cortes para retomada de ação. É um continuum que nos encaminha a novas descobertas ou a redescobertas, mas vale sempre revisitar o passado, ainda que não mais vivamos nele. Ele sempre será um referencial.
Então, com critério e maturidade, o planejamento para a escolha futura se faz pontual, com pontos essenciais de escolhas que já nos são conhecidas e que já nos foram possíveis viver e apreciar um pouco de cada momento, transformando o presente e o futuro em momentos suaves e mais promissores de muita ação, de emoções agradáveis e construções sólidas.
Desta maneira, em qualquer situação, podemos pensar e nos arriscarmos em escolhas conjuntas, em escolhas comuns, visto que nossos pares afetivos serão sempre presentes em nossas vidas, de uma forma ou de outra. E, ter objetivos comuns é um fator muito importante para a manutenção de uma relação sólida, pois favorece ao crescimento em par, em grupo, o que é saudável e interessante, em especial porque as escolhas nunca serão exatamente as mesmas.
Não sendo as mesmas, a chance de crescermos fica maior: teremos que negociar, que expor, que trabalhar, que refletir e analisar sobre a escolha do outro; e esse é um momento rico da relação humana: compreender o ouro na minha Vida. Quem é o outro? Qual papel ele desempenha e ocupa em minha Vida? Quais as minhas prioridades? Quais as prioridades do outro? A quais ideais eu respondo? Como conviver com as indicações que me incomodam? São questões recorrentes na formação do par afetivo e que nos acompanharão no decorrer de nossa Vida madura.
Estabelecer objetivos para a parceria é uma capacidade que fortalece o vínculo, traz cumplicidade e fidelidade. Conversar e planejar o que gostariam de fazer juntos e sobre como seria possível tirar isso do papel, seja lá o que isso for, desde uma grande viagem ao desejo de aumentar a produtividade de uma ação ou de unir a família revelam a importância que se dá ao desejo do outro, do parceiro, do amigo, do parente.
Ainda que seja um objetivo pessoal, como trocar de celular ou de emprego, a escolha de uma roupa ou de um livro, divida isso com quem você ama, afinal, haverá uma complementação a cada sugestão que dermos ou recebermos e, mais ainda, permitiremos que participem de nossas escolhas e nós das escolhas alheias, sem invasão de privacidade.
É importante que estejamos cientes do que esperamos de nós mesmo em uma relação e, então, avaliemos a disponibilidade para nos adaptarmos a situações diferentes do que esperamos, para que não sejamos pegos de surpresa com nossas escolhas e com as escolhas alheias. Num relacionamento nós não completamos ninguém; nós apenas coabitamos os corpos, as ideias e as vontades.
Cada um tem sua Vida própria e dela deve zelar, com sabedoria e perspicácia, para não se permitir invadido e alterado. As adaptações que surgirem não devem proporcionar dores nem renúncias; estas adaptações são propostas de crescimento e de plenitude, apesar de nem sempre ser assim. Entretanto, o fato de não ser assim não desmerece a proposta ideal de crescer no relacionamento: o fato de todos fazerem errado, não significa que se vá validar o erro, mas vai-se tentar corrigir a rota e viver no acerto. Aí mora a delícia do relacionamento: cada etapa, cada proposta, cada adaptação é uma chance de diálogo com o par afetivo.
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Seria interessante perceber que até mesmo os maiores desejos podem mudar ao longo do tempo e que devemos sempre contar com essa possibilidade. É necessário ter em mente o que desejamos para nossas relações e nosso futuro próximo e sermos flexíveis conosco mesmo, de modo a nunca perdermos a direção a ponto de nos sentirmos desrespeitados.
Tal ideia nos possibilita entender que a relação humana é, sim, uma via de mão dupla, em que podemos alterar a rota ao longo da trajetória, sem que isso seja um crime ou um deslize: são escolhas e permissões a que nos damos o direito de viver e viver em intensidade. Este nível de compreensão é marcador de uma liberdade de escolha e de uma autonomia a ser exercida com segurança e leveza, pois isso é viver.
Como bem disse o poeta, “cada um sabe a dor e a alegria de ser o que é”. Pois que sejamos aquilo que nossas escolhas possibilitaram e que abracemos a alegria quando ela passar. Livremente. Fraternalmente. Amorosamente.(Foto: www.pikist.com)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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