As últimas rebeliões em Manaus e Boa Vista, se é que podem ser chamadas assim, foram na verdade, massacres entre facções rivais e peculiares em suas intenções. Nada tiveram a ver com “melhorias nas condições de cumprimento da pena”, maior “dignidade de tratamento” ou quejandos do gênero. Tratou-se sim de luta brutal por poder interno e pelo controle do tráfico de drogas na Região Norte, diante do avanço do PCC naquela região, de há muito comandada pela Facção do Norte. Então, vamos a teoria e prática da violência prisional no Brasil.

Perde muito o sentido discutir sobre o sistema prisional em si, nessas circunstâncias.  A grande omissão do Estado, em tudo que ocorreu foi somente não ter previsto e sinalizado que o pacto de não agressão entre as facções marginais havia sido rompido (esse pacto envolve também o Estado, que finge não ver que o comando interno das prisões não é dele e sim dos líderes de cada gangue oficial).

Obviamente o Estado continua responsável civilmente pelas mortes que ocorreram. É seu dever constitucional manter a incolumidade física e psíquica dos presos, de acordo com o artigo 37, parágrafo sexto, da Constituição, e por isso as famílias dos mortos serão, sim, indenizadas, não porque seja justo ou moralmente devido, mas porque juridicamente existe essa obrigação.

Mesmo quem defende a necessidade de culpa do Estado na conduta de omissão, vai verificar que sua negligência é cristalina, além da má escolha na empresa terceirizada que mantinha a prisão, no caso de Manaus, o que chamamos de culpa “in eligendo”.

Mas o Estado omitiu, não matou. É preciso apontar os dedos para quem são os responsáveis efetivos e diretos pelo massacre, ou seja, os próprios presos. Ainda que a matança tivesse origem em más condições das celas, superlotação  etc, nada justificaria o massacre, feito com requintes de brutalidade e crueldade únicos até então, como aviso entre as facções das consequências da invasão de território  (como animais vorazes matam os que tentam invadir suas áreas de caça).

A tentativa de politização do ocorrido já era esperada. Setores conhecidos de supostos humanistas não perderiam a oportunidade de bradar pelas vítimas, desviando a responsabilidade pelo sangue derramado para o Estado, fosse o Executivo, a quem cabe a administração direta dos presídios, fosse o Judiciário, pretensamente pelos presos provisórios que se encontravam segregados (o que é legal mas não desejável, realmente; ideal seria sua separação dos presos condenados em definitivo).

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Mas as mortes devem-se aos “métodos de resolução de litígios” dos próprios presos. Qualquer outra conclusão é hipócrita e puramente política, movida por interesses de seus grupos de pressão e luta ideológica. Nisso, a grande mídia fará seu papel e repercutirá uma falsa comoção, inexistente porém  para as 160 pessoas que morrem diariamente, inocentes, nas mãos desses mesmos facínoras que ao morrer são caracterizados como vítimas da sociedade – o que não são. (foto: EBC)


levadaCLÁUDIO ANTONIO SOARES LEVADA
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mestre/USP e Doutor/PUCSP em Direito Civil. Professor e Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do Unianchieta. Professor da Pós-Graduação da PUCSP em Direito Civil. Diretor Jurídico da Associação Paulista dos Magistrados.