A arquiteta e urbanista jundiaiense Nathália Giassetti Ongaro(foto), de 26 anos, produziu uma dissertação de mestrado pela Puccamp(Pontifícia Universidade Católica de Campinas), avaliando o desenvolvimento da cidade e a manutenção da vitivinicultura, cultura tradicionalíssima na cidade. Anos atrás, além de ‘Terra da Uva’, Jundiaí também era considerada ‘Terra do Morango’. O tempo passou, propriedades que produziam a fruta foram vendidas e deram lugar a condomínio. É exatamente isto que a tese de Nathália aborda: aliar o crescimento e progresso local e manter a vitivinicultura. A entrevista com a arquiteta:

Por que decidiu estudar este tema? Tem alguma ligação com a vitivinicultura?

Na verdade sempre fui admiradora do modo de vida rural-agrícola. Desde criança inclusive, ouvia meus avós maternos contarem sobre sua infância nas fazendas. E isso me encantava! Parte da minha família ainda conserva uma parte da propriedade que era dos meus bisavós. Já na faculdade, comecei a compreender um fenômeno estava acontecendo em Jundiaí com o notável desaparecimento das típicas paisagens rurais que desde sempre fizeram parte do meu imaginário sobre a cidade. As coisas começaram a tomar uma dimensão científico-metodológica enquanto estudava planejamento urbano e regional, área em que realizei duas pesquisas de iniciação científica – uma delas publicada – em conjunto com meu orientador, sem o qual, nada disso seria possível. Foi ele quem despertou em mim o interesse por essa área. Junto ao LADEUR (Laboratório de Desenho de Estratégias Urbano-Regionais), nosso grupo de pesquisa, pude desenvolver todo esse raciocínio de forma encadeada, resultando nessa pesquisa.

A senhora produziu uma tese de mestrado? Qual foi o resultado? Pretende publicar a tese em forma de livro?

Sim. O que pudemos depreender foi que de fato há um projeto hegemônico em curso na cidade que tem gerado um impacto substancial especialmente nas pequenas propriedades agrícolas produtivas, que têm cedido espaço para o mercado imobiliário. O artigo resultante da dissertação está em fase de publicação, mas não em formato de livro.

Como a vitivinicultura se relaciona com a arquitetura e urbanismo?

Arquitetura e urbanismo são áreas de conhecimento multidisciplinar. Uma de suas faces é o planejamento urbano e regional, que foi minha área de concentração. Foi por esse “prisma” que pudemos identificar o que de fato estava acontecendo na cidade, que é fruto de um tipo de projeto que responde ao processo de globalização neoliberal.

O que a globalização neoliberal tem a ver com a vitivinicultura de Jundiaí?

Grosso modo, globalização é o fenômeno que conecta diferentes partes do mundo por meio da atividade humana. Isso não é novo. Começou lá na época das navegações. O que há de novo é o regime político-econômico-produtivo em que se dá: o neoliberalismo. Isso significa que estamos falando de um modo de conexão entre diferentes partes do mundo por meio de uma “linguagem” político-econômica-produtiva. Sei que parece complicado, mas na prática, remete ao desenvolvimento de alguns lugares em detrimento de outros na perspectiva da acumulação de capital. Quando incide nos países de terceiro mundo, esse fenômeno tende a homogeneizar os lugares mais “frágeis” para que respondam ao projeto de desenvolvimento do primeiro mundo. A globalização neoliberal se relaciona com a vitivinicultura justamente na perspectiva da homogeneização do território, descrita na pergunta anterior. Quando alguns lugares deixam de responder aos seus próprios interesses para incorporar essas dinâmicas externas, “de cima para baixo”, atividades típicas e relacionadas aos saberes locais, como a vitivinicultura, tendem a ser ameaçadas, se não muito bem protegidas pela sociedade e poder público.

Sabe quantos vitivinicultores existem na cidade? Já tivemos mais? Se o número diminui, tem a ver diretamente com o crescimento de Jundiaí?

Infelizmente, não. Esse não foi o foco da pesquisa, mas há outros autores que destacam que sim, já tivemos mais. O problema não está no crescimento da cidade e sim na forma que esse crescimento se dá. Se a cidade está crescendo é porque algo está se desenvolvendo, atraindo investimentos. Ótimo. Mas: o quê? Poderíamos citar o mercado imobiliário e a atividade logística, o setor de serviços que é dominante em Jundiaí. O desenvolvimento não é, de forma alguma, o problema. Queremos que a cidade se desenvolva, cresça, que as pessoas tenham maior poder de consumo, que a pobreza seja extinta. O problema é quando esse desenvolvimento é perverso no sentido de “tirar de um lugar para colocar em outro”.

Foi uma pesquisa de campo? Se sim, com quantos produtores conversou?

Não, devido à pandemia da Covid-19. Meu mestrado começou no início de 2020. De qualquer forma, foi uma pesquisa de análise territorial. Isso porque enquanto arquiteta, tenho que me “limitar” à minha área de conhecimento. Mas teria sido uma grande honra!

Quais alternativas estão buscando para prolongar a continuidade da atividade vitivinícola artesanal?

De novo, existe uma limitação acadêmico-metodológica. O mestrado não objetiva de fato propor ou defender algo novo, como o doutorado. O que levantamos foi que o poder público e participação popular têm um papel central quando o assunto é defender o que é valioso, típico e peculiar dos lugares. Mais do que nunca, essa pequena parcela de produtores demanda essa proteção.

A senhora afirma que os reflexos da proliferação de centros logísticos e atividade municipal já são sentidos. Jundiaí já foi considerada a ‘Terra do Morango’ e hoje esta cultura não é mais representativa porque a maioria dos produtores venderam suas terras. Isto também pode ocorrer com a uva? Aliás, este processo já está em curso?

É exatamente isso que está acontecendo. Há uma pesquisa que relata justamente a diminuição dessa atividade agrícola por conta da venda das terras pelas gerações mais novas, que não enxergam perspectiva de melhora. As poucas propriedades tradicionais remanescentes acabam tendo que se filiar a programas de turismo rural e/ou encontrar alternativas para otimizar a produção, envolvendo os mais diversos recursos para subsistir.

Como conciliar a tradição da vitivinicultura e o crescimento da cidade?

Compreendendo que é possível por meio de estudos de caso que aplicaram as teorias do desenvolvimento endógeno. Nada mais são do que microssistemas econômico-produtivos que se valem de características e saberes locais para desenvolver seu próprio lugar. Trata-se de explorar recursos materiais e culturais para consolidar, especialmente, uma economia forte. Mas para isso, é necessário primeiro contar com uma política forte, que esteja atenta ao desenvolvimento de todos.

Como a recém-criada Região Metropolitana(RMJ) pode ajudar os vitivinicultores?

É cedo para dizer. Mas a própria criação da RMJ responde a um tipo de projeto preocupado em atrair investimentos. Jundiaí não detém características de metrópole, como São Paulo, por exemplo. Não seria possível, sequer, iniciar essa comparação. A dinâmica e intensidade de trocas não correspondem a uma metrópole, em princípio, por definição. Se esses recursos forem canalizados para atividade agrícola, excelente. Mas eu não contaria com isso.

Na sua opinião, o que seria “uma nova forma de pensar o planejamento urbano e regional, em sintonia com o período popular da história”, beneficiando estes produtores rurais?

Milton Santos, geógrafo que baseia nossos estudos, defende que o período popular da história seria uma era em que os esforços estariam canalizados para o bem comum, de todos. Ricos e pobres. E mais: tudo isso realizado coletivamente, mas especialmente por iniciativas que emergiriam das camadas mais empobrecidas. A nova forma de pensar o planejamento urbano e regional seria justamente essa. O que experimentamos hoje é o desenvolvimento de alguns lugares em detrimento de outros, nas escalas local (dentro da cidade), estadual, nacional e mundial. Nessa perspectiva, uma vez que o objetivo seria o bem estar de todos, os produtores rurais estariam inclusos.

Se esta ‘nova forma de pensar’ não for colocada em prática, pode acontecer com a vitivinicultura o que ocorreu com o morango?

Já está acontecendo. Por isso a urgência em rever o que está sendo feito para preservar o que é de interesse da cidade. Aliás, é de interesse da cidade? Essa é uma pergunta que parece ser central.

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