A professora e pedagoga Carolina Miranda viveu 10 anos em Jundiaí, exatamente dos 9 aos 19 anos. Ela é do Rio de Janeiro e sempre sonhou em ir para o hemisfério norte. Foi pra lá que ela foi assim que teve uma oportunidade. Criou a ONG Feminine Harbor (Porto Feminino). Vivendo no Canadá durante um momento de completa – e literalmente gelada -solidão, se reconectou com a cultura brasileira. A entrevista:
Tem família em Jundiaí?
Meus pais ainda moram na cidade. Venho para o Brasil a cada dois anos. Sou divorciada. Casei com um canadense. Tenho duas filhas com dupla cidadania.
Onde morou e estudou aqui?
Morei no centro. Depois morei perto da avenida Nove de Julho. Por último, vive perto do Clube Jundiaiense.
Trabalhou em Jundiaí?
Sim! Dava aulas de Inglês na Wizard dos 16 aos 18 anos.
O que mais sente falta daqui?
Sinto muita falta dos círculos familiares e de amigos. A gente não se da conta do quanto eles são importantes, até não ter mais eles por perto. Sinto falta também de noites quentes em bares com amigos.
E o que menos sente falta de Jundiaí?
Como morei ai na época da minha adolescência, presenciei muita fofoca entre grupos. Não sei ao certo se isso é uma experiência ligada ao tempo ou ao lugar. Mas não sinto falta dessa parte da cultura, em que as pessoas invadem demais a privacidade uma da outra, e existe um desrespeito daqueles que são diferentes da gente. Aqui no Canadá se celebra a diversidade, e aprendi o quanto isso é importante para a evolução não só pessoal de cada um, mas também coletiva, da sociedade.
Há quanto tempo está neste país?
Estou fora desde 2002, portanto já há quase 17 anos. Morei em muitas cidades aqui, e hoje estou na cidade de Cambridge, na região de Waterloo, que fica há uma hora de Toronto e aliás, me lembra muito a relação Jundiaí-São Paulo. A minha região é um dos polos multiculturais do Canadá, e é o maior polo tecnológico canadense, tendo três fortes faculdades, e uma das melhores galerias de arte do pais. Apesar de ser uma cidade considerada grande, ainda tem um ar de interior.
Por que decidiu se mudar para aí?
Sempre sonhei em vir ao Canadá desde que tinha 8 anos de idade. Vim buscando sonhos, e com uma visão de uma vida melhor pra mim, mais conectada com a natureza, e com oportunidades de crescimento pessoal e profissional.
O que foi mais difícil na sua adaptação?
A falta que família faz. Demorou quase 15 anos pra eu realmente encontrar amigos que substituíssem um pouco a falta da minha família, e pra eu criar Raízes aqui.
O que foi mais curioso?
Num dos momentos mais difíceis da minha vida, eu estava aqui sozinha. Quando me divorciei, fiquei muito sem rumo – estava prestes a virar mãe solteira em um pais no qual eu ainda não sentia pertencer. E foi me conectando com a cultura brasileira, através de amigos que tocavam samba, ou nos grupos de maracatu daqui, que eu passei a me encontrar por aqui. O maracatu, os tambores… A gente nem imagina o quanto isso faz parte da gente, até não conseguir mais viver sem.
Como lidou com o clima, com a língua?
No começo foi muito difícil, porque as pessoas tinham preconceito com meu sotaque, que era ameno, e o clima gelado e longo do inverno é bem dolorido. Mas com o tempo meu sotaque foi praticamente desaparecendo, o que como professora me ajuda, e eu passei a me organizar melhor no inverno pra que eu pudesse ter atividades sempre em mente, e não cair numa depressão sazonal.
Qual seu olhar para o Brasil e Jundiaí hoje? Muda a forma como se pensa a terra natal quando se está muito tempo fora?
Muda profundamente. O Canadá é um pais de colonização muito mais jovem do que o Brasil (foi invadido há apenas 150 anos, em contraste aos nossos 520 anos). Isso muda tudo, e pra quem está envolvido em estudar causas indígenas como eu, a gente começa a perceber o quanto o Brasil é uma terra sofrida e que foi muito abusada com o tempo. Isso passou a me dar uma profunda compaixão pela minha própria terra pelo meu povo. Olho hoje pra o Brasil com muito orgulho, carinho e também cuidado. Tenho muito cuidado antes de falar qualquer coisa que denigra a imagem do meu pais, que é por fim um pais riquíssimo, lindo, mas extremamente explorado.
Em algum momento pensou que não conseguiria se adaptar? Chegou a arrumar as malas e pensar em voltar?
Sim, quando me divorciei. Foi muito difícil aceitar ficar aqui sem o menor amparo. Mas resolvi ficar por conta das minhas filhas, porque o pai delas é daqui.
As pessoas respeitam os brasileiros ou não nos levam a sério?
Aqui as pessoas respeitam quem está comprometido a continuar fazer o país crescer, não importa a sua nacionalidade. Se você se levar a sério, for competente e adicionar mais a cultura, você é levado a sério. Se não for assim, provavelmente vai sofrer consequências de um sistema que é bem rígido. Mas a nossa conduta pessoal perante as estruturas, o respeito a cidadania, tudo isso conta muito por aqui.
Em algum momento sentiu vergonha de ser brasileiro?
Nunca senti vergonha em momento nenhum específico. Sinto muito orgulho sempre, porque conheço pessoas maravilhosas Brasileiras e que estão arrasando por aqui. A grande cantora Aline Morales, a jornalista Camila Garcia, o cantor Bruno Capinan. Todos esses são brasileiros talentosíssimos, e que trazem o calor da nossa cultura a tudo que fazem e aliados de um profissionalismo tremendo. Tenho orgulho de conhece-los e de servir de carro chefe pra nossa cultura junto a eles.
Faz comparações entre Jundiaí e seu atual endereço?
Sempre! Aliás acho inclusive que eu vim parar aqui porque foi onde eu me senti mais em casa. Desde que me mudei pra cá comento com as pessoas que morava numa região parecida no Brasil. A Serra do Japi é uma fonte de lazer e prazer pra quem está ai, e aqui também tem muita área verde bonita que se pode usufruir.
Aliás, chega a dizer que é de Jundiaí? Perguntam como é a nossa cidade?
Sempre que falo de casa, uso a comparação pras pessoas entenderem. Quando falo de Jundiaí conto sempre que foi uma das cidades escolhidas no Brasil com o melhor índice de qualidade de vida.
O que mais gosta e o que menos gosta deste local?
Amo a região em que vivo, mas não é simples nem vazia de conflitos sérios. Pra começar a região de Waterloo é o polo mais visado para tráfico humano no Canadá. Também há o problema do racismo. No entanto, existem muitas coisas boas. Amo o fato de ter tantas áreas naturais como rios, e parques com reservas naturais com muitas trilhas e oportunidades para se estar conectado a natureza. A região onde moro é também inovadora. Existem aqui três universidades, e um pólo tecnológico muito forte com a Google e a Vidyard tendo sedes aqui. Por isso existe um alto foco na educação e na proliferação de sistemas. E finalmente amo a diversidade cultural que me oferece, porque é o quinto pólo mais multicultural de todo o país.
Você acha que nós, brasileiros, conseguiremos um dia chegar ao nível do Canadá?
Acho que a pergunta não é bem essa. O Canadá é um país muito mais jovem que o nosso. O processo de colonização deles tem 150 anos, enquanto que o do Brasil tem 520. No Brasil, foi estabelecido um sistema, por mais de 200 anos, com base na escravidão legalizada e sistêmica, alem do genocídio indígena. No Canadá houve genocídio indígena, e apesar de também existir racismo, não houve a escravidão institucionalizada que existiu no Brasil. Isso muda completamente os pontos de partida de cada país. Aqui, a educação pública ainda é levada a sério, porque existe um entendimento de que o sistema é responsável por suas crianças. É também um pais de uma área maior que a do Brasil, mas com uma população extremamente pequena em comparação (temos aqui apenas 30 milhões de habitantes). Portanto existe espaço, e oportunidades. O Brasil é um grande pais. Com recursos naturais que continuam sendo obscenamente extraídos por países alias, como o Canadá. As mineradoras canadenses acabam com o Brasil. O que temos que realmente começar a sarar é um trauma profundo coletivo de uma nação que nasceu baseada no extrativismo humano e natural, e passar a cuidar mais do nosso povo e da nossa terra, sem achar que isso é coisa de esquerda. Aqui, as pessoas ainda são cuidadas.
Trabalha?
Sou professora primária, ativista social, escritora, e co-fundadora da ONG Feminine Harbor que aborda histórias de mulheres usando tecnologias.
Já encontrou outros brasileiros por aí?
Muitos brasileiros sim, mas nunca nenhum jundiaiense. A comunidade brasileira daqui é bem grande.
Pretende voltar?
Acho pouco provável eu voltar porque hoje tenho uma vida muito bem estabelecida aqui. Se eu voltasse seria pra ficar perto do mar, portanto provavelmente eu iria pra Ubatuba. Ainda tenho muitos amigos queridos em Jundiaí, mas não seria uma opção viável mais.
O que Jundiaí poderia ‘importar’ do seu atual endereço?
O investimento em educação tanto primária, e publica, como nas universidades, e investir em tecnologia que proporcione infra estrutura, além de um desenvolvimento de áreas naturais. O entendimento da importância da diversidade cultural para que a sociedade siga pra frente.